São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Um susto para a vitória

ESPERIDIÃO AMIN

A campanha eleitoral deve ser o instrumento decisivo de aprimoramento da democracia.
Em vez de se transformar numa guerra de recalques e de "desmonte" do "inimigo", ela deveria ser marcada pela discussão do programa de trabalho. E para não ser transformada numa competição de promessas (que, simplesmente, faria prosseguir a tendência de frustração que nos domina) deve ser uma grande competição de testemunhos do "como fazer".
Boa parte da desvalorização dos governos pelo mundo todo decorre do divórcio desses governos, de suas políticas e atos em relação à sociedade.
No caso brasileiro, as formas de tutela a que a sociedade tem sido submetida têm, sucessivamente, contribuído para o desenvolvimento do paternalismo e, à vista do nosso evidente fracasso, alienação. O resultado dos pacotes mal-sucedidos é a frustração e a perda de prestígio do governo como símbolo do poder público.
A campanha de 94 pode significar um degrau a baixo no desprestígio do governo e da política. Basta que ela reproduza o tom das anteriores, agravando nossos equívocos.
Basta prosseguir na mistura de messianismo com "quanto pior melhor", de um lado, e cronograma eleitoral de um plano econômico do outro.
Para os donos da primeira posição, um desastre a mais é lucro. Por exemplo, a derrota da seleção brasileira é um sucesso nas pesquisas.
Para os do segundo time, o real sem o fundamento da revisão (jogada para o lado pelo egoísmo dos "contra" e pela ambiguidade de tantos) é o lance.
Ou seja, o que está posto é ganhar sem fazer campanha.
Nossa proposta é outra. O que desejamos é que a campanha ressalte o "como fazer" as coisas acontecerem. E nesta competição de criatividades e de coerências é possível engajar as imensas forças desta nação cuja base é, sem dúvida, melhor do que a elite.
O primeiro efeito da disputa com base no "como fazer" é valorizar as experiências, mesmo as não exitosas. Afinal, todas fazem parte do nosso patrimônio político.
Além disso, figurantes não partidários, aí compreendendo associações comunitárias e religiosas, cooperativas, sindicatos e outros, podem ser co-autores de uma proposta concreta, adaptada às características regionais do país.
A energia que nos tem permitido "sobreviver" ao colapso do poder público vai participar desta forma de competição.
Finalmente, o eleitor vai poder escolher pela comparação entre propostas e sua respectiva viabilidade.
Comparar é, sempre, a melhor maneira de escolher. É o que fazemos quando vamos comprar alguma coisa na feira ou no supermercado.
Comparar experiências, discutindo-as especialmente quanto à participação da sociedade, é melhorar a qualidade da campanha, dando uma chance à sociedade de aprimorar a democracia.
O nosso propósito, nesta campanha, é levar, com entusiasmo, determinação e muita fé para o palco da comparação propostas de "como fazer" que vão dar ao eleitor e aos próprios competidores a dimensão de uma política realmente voltada para conquistar o melhor.
Experiências e testemunhos do "como fazer" uma política agrícola estável e confiável, requisito para uma reforma agrária necessária e para a expansão da produção de alimentos, fazem parte desta competição.
O mesmo vale para programas de habitação popular, de geração de empregos, de plano de educação democratizado e eficaz, de assistência à criança e à família e que reabilite a ação governamental no setor da saúde pública. Estes são tópicos de uma agenda que pretenda fazer o Brasil dos sonhos se aproximar da realidade.
Dar um susto no despreparo e na mistificação é o caminho da vitória.

Texto Anterior: A hora da decisão
Próximo Texto: O caos da saúde; Bairrismo; Matemática política; Telefone celular; Contra a revisão exclusiva; Futebol aprisionado; Lição de amor; Homofobia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.