São Paulo, quarta-feira, 25 de maio de 1994
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Romário, soberbo

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA – O torcedor brasileiro é um monstro de volubilidade, um monumento à inconstância. Hoje, chama fulano de rei. Amanhã, estará rosnando contra ele: "Fulano já não vale um churrasquinho de gato mal passado."
Antes de entrar no assunto, abro espaço para uma anedota que ouvi ontem. Diz a piada que Romário tomava banho em casa. Esquecendo-se da toalha, deixou o banheiro completamente nu.
Ao deparar com o patrão no corredor, sua empregada, assustada, exclamou: "Meu Deus!!!" O jogador, lisonjeado, emendou: "O que é isso, Maria. Pode continuar me chamando de Romário".
Sim, caros patrícios, Romário comporta-se como um deus. Digo "deus", assim com "d" minúsculo, porque não enxergo nele as credenciais de um Pelé. Nem sequer admito aproximá-lo de Garrincha.
Pode-se dizer que, sozinha, a língua de Romário já conquistou o tetra. Fora do campo, o jogador autoproclamou-se o melhor do time, titular absoluto. Foi além: disse que, graças aos gols que marcará, o caneco está garantido.
O atacante do Barcelona assinou com a boca uma promissória que terá de pagar com os pés. Resultado: de Romário já não se exigirá que jogue apenas bem. Ele terá de fazer mágicas, precisará operar autênticos milagres.
É certo que, no futebol como em eleição, é preciso agir com certa imodéstia. Jogador humilde demais já entra em campo derrotado. Mas entre a confiança salutar e a arrogância desmedida há um abismo que costuma engolir talentos.
Como simples jogador, Romário tem lá suas tardes de inspiração. Como o Deus que imagina ser, assim com "D" maiúsculo, deixa a desejar.
Com alguma benevolência, diria que a semelhança com Pelé e com Garrincha esgota-se na cor de Romário, meio puxada para o café. Tirando a tonalidade da pele, o deus de hoje não chega a ser uma divindade.
Podem tomar nota, senhoras e senhores: ou Romário engole a bola na Copa, ou não será mais cumprimentado nas ruas. Pior: será tratado pelo torcedor como mulher feia em praia lotada, com profunda, com geladíssima indiferença.

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