São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 1994
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Usurpação adiada

LUÍS NASSIF

O deputado Nelson Jobim (PMDB-RS) tem um compromisso com a cidadania: o de não permitir a perpetuação do poder constituinte nas mãos de parlamentares e partidos políticos. Em seu relatório, o deputado procurou expurgar a constituição de todo o vezo corporativista. Conferiu na prática a impossibilidade, devido ao sistema político vigente.
Podem-se procurar mil e uma razões para o fracasso da revisão. Pode-se até alegar que ao centralizar os trabalhos, o deputado Jobim tirou os méritos de autoria das emendas, desestimulou nossos desprendidos parlamentares a prosseguirem com a revisão.
Todos os argumentos apenas confirmam a disfuncionalidade do sistema político representativo atual. E inúmeros episódios ocorridos ao longo da revisão, até contra as propostas do relator, demonstram claramente que os políticos constituem-se em uma classe à parte, atuando em bloco quando se trata de administrar seus próprios interesses. É só conferir a votação sobre fidelidade partidária, voto obrigatório e quetais.
O que leva o deputado a supor que tudo será diferente com a próxima Câmara. Alega-se que a atual não funcionou a contento porque teve suas lideranças dizimadas. Todas as lideranças em questão cristalizaram-se a partir da utilização espúria de verbas públicas.
A próxima Câmara vai eleger deputados que ou dispõem de retaguarda financeira, ou de apoio corporativo. Vai conservar uma bancada amazônica de parlamentares fantasmas, fruto das distorções na composição das bancadas estaduais. Vai continuar excluindo da vida pública todas as pessoas com vocação comunitária que não estejam dispostas a passar pelo funil partidário.
Antes de se retirar da vida pública, para fazer justiça à sua biografia, o deputado Jobim deveria engrossar a cruzada daqueles que querem que o poder constituinte seja devolvido a seu verdadeiro dono –o cidadão-contribuinte– dentro de regras que impeçam o abuso do poder econômico e dos esquemas corporativistas.
Abuso econômico
Nos últimos dias, especialistas em preços pararam para rever suas projeções de inflação. Até poucos dias atrás, havia consenso acerca da relativa estabilidade dos índices, na reta final da entrada em vigor do real. Esse equilíbrio foi rompido com as declarações do empresário Abílio Diniz, do Grupo Pão de Açúcar, praticamente conclamando o setor a proceder a um sobre-reajuste de 25% sobre os preços já urvirizados.
Com isto, lançou um fator de instabilidade a mais sobre um ambiente por si já conturbado e incorreu em tentativa aberta de cartelização de preços.
As razões da conclamação são evidentes. Com inflação alta, há supermercados que se equilibram em cima do ganho financeiro ao comprar à vista e vender a prazo. Outros, que já completaram seu ajuste, tem lucro operacional que independe da inflação.
Com a estabilidade da moeda, a disputa seria evidente com aqueles mais ajustados conseguindo avançar sobre o menos ajustados –trazendo vantagens para o consumidor.
As declarações de Diniz praticamente conclamam a um acordo de preços que preserve margens e impeça a concorrência. Constituem-se em clara infração às leis contra abuso de poder econômico, no justo momento em que o tema é colocado à mesa.
Esta coluna foi contra a criação de estruturas pesadas e intervencionistas, como a proposta do novo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). E contra a utilização do tema para práticas politiqueiras de controle de preços.
O novo ministro da Justiça, Alexandre Dupeyrat avançou substancialmente em relação às propostas corporativistas e intervencionistas do seu antecessor. Para que a nova orientação prevaleça, é necessário que se mostre eficaz. Cabe ao ministro tratar do caso Diniz da mesma maneira que a legislação americana trataria episódio semelhante que ocorresse por lá.
Aviação
Na coluna retrasada, os dados sobre aumento de frota e de pessoal em 1990, referem-se à Vasp, não à Varig, como foi mencionado.

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