São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 1994
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A lei "prêt-à-porter"

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Não tivesse visto na televisão, até duvidaria que Luiz Inácio Lula da Silva, candidato presidencial do PT, tivesse mesmo recorrido ao argumento que utilizou anteontem para o uso de equipamentos dos sindicatos em suas aparições de campanha.
Lula disse que tal uso é "contra a lei", mas que a "classe trabalhadora" é a favor desse método e, portanto, dane-se a lei.
Com esse argumento, está tudo justificado. Uma Febraban ou Fiesp qualquer pode sair por aí dizendo: "É contra a lei, mas a classe empresarial é a favor". Pronto, pode-se desde aumentar preços abusivamente até financiar campanhas eleitorais ilegalmente ou demitir trabalhadores sem o pagamento devido.
Afinal, se uma "classe" tem o direito de determinar qual lei vale e qual lei é para ser violada, qualquer outra "classe" há de se sentir no mesmo direito.
Nem me venham os petistas com o argumento de que usar o carro de som dos sindicatos é um crime menor. Até concordo que é menor, ante todos os abusos que se cometem sempre nas eleições. Mas não dá para aceitar esse tipo de gradação.
Seria o mesmo que admitir que um financiamento ilegal de US$ 10 mil é tolerável e só deveria ser punida uma ajuda financeira superior a, digamos, US$ 50 mil.
Tampouco pode caber a um partido ou candidato determinar que itens da lei eleitoral são ou não aplicáveis a ele próprio.
O pior é que Lula reincidiu ontem no absurdo, ao afirmar, na Associação Comercial do Rio de Janeiro, que "entre a lei e a coisa justa e legítima", fica com a "coisa justa".
Se a cada cidadão for dado o direito de escolher entre a lei e o que ele considera "justo e legítimo", acabam-se a lei, a justiça e a legitimidade do que quer que seja.
No limite, justifica-se até o crime político. Sempre haverá um energúmeno capaz de achar que é "justo e legítimo" matar um candidato como, digamos, Orestes Quércia, para evitar que o país caia nas mãos de um suposto corrupto.
Esse tipo de raciocínio, aliás, já foi usado para justificar nefandos crimes políticos em um passado muito recente.

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