São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 1994
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Pisada na bola

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – É um episódio definitivamente menor, mas esclarecedor dos corações e mentes dos petistas. A assembléia está acima da lei –é mais ou menos isso o que a arrogância (injustificável) de Lula quis dizer, colocando a decisão de qualquer assembléia acima da lei e da sociedade.
O carro de som é irrelevante. Pessoalmente, acho que qualquer sindicato pode emprestar seus equipamentos a quem bem entender, para campanhas eleitorais, esportivas, sociais, carnavalescas, não importa. Não vejo motivo para impugnar uma candidatura presidencial por tão pouco crime.
O que me assusta –e deve assustar a todos– é a colocação fascistóide de Lula: 10, 50 ou 1.000 pessoas reunidas num local podem ser promovidas a assembléia geral e ali se decidirá se o Brasil declara guerra ou faz a paz, se fulano merece a morte, se é isso ou aquilo, se a lei eleitoral vale ou não vale.
Parece que a prática tem o feio nome de assembleísmo. É comum em sindicatos e condomínios: marca-se a reunião para o dia tal, a tantas horas em primeira convocação; meia hora depois, a segunda e aí, independentemente do número de condôminos, decide-se a demissão do porteiro, a mudança da bomba d'água.
Transpor essa prática para a vida pública é ingenuidade ou prepotência. Os ditadores de qualquer latitude sempre tiveram à disposição, numa sala anexa, meia dúzia de gatos pingados que homologavam a insanidade do ditador. Foi assim que "o povo da Itália", reduzido a umas 15 pessoas no Salão do Mappamondo, declarou guerra à Inglaterra e à França. Horas depois, Mussolini foi para a sacada do Palazzo Venezia e deu a notícia à massa reunida às pressas pelos grupos de ação do Partido Fascista.
Acredito que Lula vá cair na real, exatamente quando concentrar seu discurso no combate ao real que vem por aí. Essa do carro de som foi uma pisada na bola. Pisada feia, por sinal, pior do que a de Romário querendo lugar na janela do avião. No fundo, são duas bobagens que revelam a mesma cabeça embriagada pelas pesquisas.

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