São Paulo, sexta-feira, 27 de maio de 1994
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O falso expurgo do IGP-M

LUÍS NASSIF

Matemática financeira não é matéria de fé. Pode haver discordâncias em relação a critérios, mas dispõe de uma lógica muito mais objetiva do que formulações macroeconômicas, políticas e futebolísticas. Por isso mesmo, seria conveniente que a questão do presumível expurgo do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) nos títulos do governo fosse analisado de maneira isenta.
Há grandes nomes da economia avalizando a tese de que o expurgo do resíduo inflacionário de junho significará perdas de US$ 2 bilhões ao mercado financeiro.
Os avais são respeitáveis, mas não bastam. Tem que se demonstrar através de contas e de raciocínios que o expurgo significará perda.
Como não se pretende o monopólio da verdade, apresento o raciocínio (e as contas) que fundamentam a tese de que não haverá perdas. Quem pensa o contrário, que trate de comprovar que o raciocínio está furado.
Para entender esta questão, imagine uma gincana, na qual os competidores precisem comprovar o quanto rodaram a cada hora de competição. Ao final de cada hora, os organizadores precisam apresentar os resultados. Só que levam meia hora para conseguir levantar os dados. Como compatibilizar os prazos?
Em vez de medir o desempenho do competidor em cada período fechado, medem a cada meia hora do período e extrapolam para o período em questão. Eles medem a quilometragem percorrida no período da 1h30 às 2h30 e às 3h00 apresentam o resultado como se fosse do período das 2h00 às 3h00 –com meia hora de defasagem portanto.
Suponha um carro que esteja rodando uniformemente a 30 km/h. Não haverá distorção nenhuma no método escolhido, porque tanto da 1h30 às 2h30 quanto das 2h00 às 3h00 ele percorreu 30 km.
Mas imagine o seguinte exemplo:
1) Na primeira hora, o carro andou a 30 km/h –portanto percorreu 30 km.
2) Na segunda hora, andou a 40 km/h –percorrendo 40 km.
A medição da segunda hora vai levar em conta meia hora do primeiro período e meia hora do segundo período. Equivalerá a 15 + 20 = 35. O total medido foi de 35 km. No segundo período o automóvel percorreu 40 km. Portanto, quando o carro acelerou, o sistema de medição ficou defasado em 5 km.
Andando parado
Suponha agora que no início do período três o motorista parou para cochilar, permanecendo parado por todo o período. Na hora de medir, o organizador vai considerar metade do período dois (20 km), somar à metade do período três (zero km), e vai concluir à distinta platéia que no terceiro período, enquanto dormia placidamente às margens da estrada, nosso diligente motorista percorreu 20 km. É óbvio que o sistema de medição estava errado.
Pois é este mesmo método de medição que está sendo reivindicado pelo mercado financeiro para os títulos em IGP-M que adquiriu do governo.
A alegação é que, quando a inflação subiu, esse método de mediçãoa acarretou perdas aos títulos, em função do fenômeno apontado. Agora, que a inflação cai, o governo não quer devolver as perdas.
Há dois furos no raciocínio. O primeiro é que vai-se mudar de uma inflação de 45% ao mês para outra por volta de 5% ao mês. Como a totalidade dos títulos foi adquirido depois que a inflação superava 30% ao mês, é evidente que as perdas decorrentes da aceleração de 30% para 45% serão muito menores do que os ganhos decorrentes da queda da inflação de 45% para 5%.
O segundo furo é que esses títulos pagavam correção monetária e também juros –que embutiam as expectativas de perda com a futura aceleração da inflação.
Prova do pudim
Além disso, se a tese fosse correta, deveria valer para todos os contratos da economia –inclusive os salários dos bancários.
Uma outra prova de que a tese é errada é que, se fosse certa, no exato momento em que se procedesse à troca do cruzeiro pelo real, o dólar acumularia imediatamente uma defasagem de 15% a 20%, mesmo tendo sido reajustado diariamente.
A tabela "O IGP-M e a defasagem da inflação" mostra um exemplo teórico do que foi exposto. Com a inflação subindo de 30% para 50% ao mês (um exagero), os títulos com IGP-M acumulariam uma perda máxima de 7%. Se as reivindicações do mercado fossem aceitas, não só a defasagem seria compensada como possibilitaria um ganho adicional de 14%.
A tabela "A conversão do IGP-M" de quanto seriam os ganhos com a passagem para o real, da maneira como o mercado pretende, levando em conta a inflação quando o título foi adquirido e as hipóteses de inflação de junho.

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