São Paulo, terça-feira, 31 de maio de 1994
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Proposta radical

LUIZ CAVERSAN

RIO DE JANEIRO – As recentes declarações do procurador-geral da Justiça do Rio, Antonio Carlos Biscaia, defendendo a intervenção das Forças Armadas no Estado para combater a criminalidade, provocam dupla surpresa.
Diante de uma platéia de estudantes de direito, Biscaia baseou sua sugestão no fato de, segundo ele, a polícia local estar envolvida com o crime organizado –narcotráfico e jogo do bicho.
Seria apenas um radicalismo do procurador, não fosse também uma contradição.
Radicalismo porque a Constituição federal, que define o papel das Forças Armadas e também das polícias, não deixa margem de dúvida: à Polícia Federal cabe "prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins" (art. 144).
Enquanto as Forças Armadas, ainda segundo a Constituição, "destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".
Ok, quem sabe o procurador esteja tão alarmado com a situação que já queira partir logo para o Exército, descartando o contingente "são" da polícia local ou uma ação efetiva, contundente e permanente da Polícia Federal.
Ele poderia, então, se valer da influência de seu cargo e sugerir ao procurador-geral da República que pedisse a intervenção no Estado, providência mais efetiva do que discurso para estudantes.
Mas ainda há a contradição: Biscaia também disse aos estudantes não acreditar nas origens socioeconômicas da criminalidade no Rio. Para ele, há muita gente rica envolvida.
Ora, desde quando soldado de fuzil em punho e fardamento de campanha invade favelas dominadas pelo tráfico para combater criminosos "de colarinho branco"?
O Estado democrático dispõe de instrumentos para combater tanto a criminalidade nas favelas quanto seus supostos beneficiários sem precisar pedir ajuda aos quartéis.
Biscaia certamente sabe disso. Afinal, sua própria função –procurador da Justiça– é um dos pilares do Estado democrático. Mas ele prefere, como disse, radicalizar.

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