São Paulo, quarta-feira, 1 de junho de 1994
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Sombra de Kantor emperra seu grupo

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Os espetáculos de Tadeusz Kantor já eram contra a trama. Contra o entendimento. Mas pelo menos tinham uma unidade, no seu diretor. Morto o pai do "teatro da morte", os seus atores, os Atores do Cricot 2, nome da companhia do diretor polonês, estão cuidando eles mesmos das cenas, imagens etc. Agora é que a linearidade acabou de vez.
Tadeusz Kantor foi o santo padre do teatro pós-moderno. Aquele mesmo teatro que chegou ao Brasil no fim dos anos 70 com Antunes Filho e mais ruidosamente no início dos anos 80 com Gerald Thomas. Um teatro que o encenador, morto há mais de três anos, começou a desenhar em 1956, com um manifesto de nome sugestivo, "O Teatro Autônomo".
Ele queria a autonomia do teatro diante do texto. Foi o primeiro de uma série infindável de manifestos, um dos quais, "O Teatro da Morte", de 1975, fixou-se como aquele que definiria sua obra. Morte, no caso, indicava a opção por um teatro em que nada acontece. Um teatro em que não há mensagem, em que não há o conteúdo.
Um teatro em que a estética, a forma, é tudo. Ou quase tudo, já que havia sempre um lugar guardado para a idiossincrasia do próprio diretor. Como Gerald Thomas –que conheceu o polonês no La Mama, em plenos anos 80– Tadeusz Kantor interpretava a si mesmo no palco. Ali, dava a direção. Ainda que não criasse coisa alguma, dirigia.
Agora, com os Atores do Cricot 2, já na segunda montagem depois da morte de Kantor, não há mais direção. "Como será agora sem ele, ou será que não será?", perguntava Gerald Thomas, nesta Folha , quando da morte do polonês, em 1990. Pelo que se viu em "Manjacy", ou "Maníacos", a resposta é que não é grande coisa, mais.
Nada acontece
Eles seguem museologicamente no mesmo "teatro da morte". Tanto que logo se diz que "nada vai acontecer aqui" –numa das primeiras das poucas frases decoradas em português para as apresentações em São Paulo. E nada acontece mesmo. Quer dizer, cenas vão-se acumulando sem nexo. Impressões, imagens, pequenas brincadeiras e ironias.
Maníacos seriam –esta é a idéia– os atores, que agem como bonecos, com movimentos repetitivos, algo obsessivos, como era próprio do diretor. De origem um artista plástico, melhor dizendo, um pintor, Tadeusz Kantor chegou a considerar dispensável, no fim dos anos 60, a presença dos atores em cena. A forma dispensava a ação.
Nos tempos que correm, nos anos 90, o teatro pós-moderno de Tadeusz Kantor –assim como aquele, também pós-moderno, de Samuel Beckett– não dá mais. Os monolitos do pós-guerra desabaram todos e levaram com eles o niilismo que alimentou meio século de arte. Quem sobreviveu, como os brasileiros Gerald Thomas e Antunes Filho, vai-se adaptando.
Tadeusz Kantor morreu na entrada dos anos 90. Sobreviveram a ele os Atores do Cricot 2, mas eles não têm muito como se adaptar. A sombra do diretor está ali, por mais que digam olhar para o futuro. Nesta "Maníacos", há até alguns espasmos de temas presentes, como a "fé", mas são espasmos. A forma não permite chegar ao conteúdo.
E o que mais interessa hoje, ou no milênio que se aproxima, como no título da peça do americano Tony Kushner, é conteúdo.

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