São Paulo, sexta-feira, 3 de junho de 1994
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Bia Lessa expõe retrato do homem conturbado

MARCO CHIARETTI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

O escritor austríaco Robert Musil passou boa parte de sua vida escrevendo e reescrevendo uma obra-prima, o retrato do homem em um século conturbado. "O Homem sem Qualidades" não é um livro comum. É a Bíblia de uma época sem espírito. Bia Lessa leu esse espelho (assustador) da humanidade e ficou tocada. Atreveu-se a dar sua versão. Haja coragem. Avisou que haverá outros homens sem qualidades. O aviso é necessário. Não porque a peça não funcione. Ao contrário. É que a meta é muito arriscada.
"O Homem sem Qualidades" de Lessa também conta a história de Ulrich, um "matemático em férias, 32 anos, solteiro", um gênio do cotidiano, um homem comum, metido em uma história estranha, a preparação de uma festa para o aniversário do imperador.
Daniel Dantas faz um Ulrich perfeito, ilário, sério, cínico, cruel. Mistura-se com parte da platéia, que na montagem assiste com máquina fotográfica e binóculo o desenrolar da trama. É um cidadão comum: sua etiqueta é a de "homem", metido em sua história.
História sem história, aliás, sem ruptura, sem alívio, sem chance para a distração. Não há "cenas". É uma só cena, contínua, sem interrupção, sem corte, um entra-e-sai de atores e cores e falas. A palavra é o eixo da peça. E à ela deve-se seu sucesso (e seu risco).
São duas horas e meia, sem intervalo. Ódio, mal, acaso, morte, incesto, estupro, sexo, nudez, traição, sorte, justiça, amor, caos, desordem, violência, palavras. O sujeito entra no teatro e sai tremendo. Palavras, palavras, palavras. O fluxo monstruoso de Musil.
Haveria que citar todos os atores. Basta falar de Lucélia Santos. Em certo momento ela repete "eu odeio", "eu odeio", mudando a inflexão, o tom, o volume da fala. Só por isso vale o ingresso.

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