São Paulo, sexta-feira, 3 de junho de 1994
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Sintonia delicada

As alterações que o governo vem promovendo nas regras financeiras visam, em primeiro lugar, a permitir que a troca de moedas se dê sem desequilíbrios e sobressaltos. Além de novas regras, o governo sinaliza também um novo e ainda mais elevado patamar de juros. Trata-se de um política que no curto prazo tem sua lógica, mas que poderá prejudicar o crescimento mais adiante.
A manutenção de níveis muito elevados de juros reais –acima da inflação– tem por objetivo conter a demanda e desse modo evitar que pressões sobre os preços abalem a credibilidade do plano. Os juros têm o efeito de inibir os investimentos, pois encarecem os empréstimos e tornam mais atraentes as aplicações financeiras em detrimento da atividade produtiva. Ademais, atuariam no sentido de evitar uma "fuga para o consumo" por parte de pequenos e médios poupadores.
Muitos podem estar iludidos com os rendimentos nominais das aplicações –que devem-se em mais de 90% à correção monetária e só em pequena parte aos juros– e tenderiam a gastar seus recursos quando a queda da inflação fizesse cair o valor da correção monetária.
A experiência do Cruzado deixou o trauma de que com a estabilidade pode surgir um excesso de demanda que pressione os preços para cima. Isso justifica as atuais preocupações do governo, mas não deve obscurecer a visão dos aspectos negativos da política de juros altos.
Para ter um crescimento sustentado o Brasil precisa elevar o nível atual de investimento. Sua parcela no PIB foi de somente 16% em 1993, contra uma taxa histórica superior a 20%. Sob esse aspecto, as altas taxas financeiras são prejudiciais, pois desestimulam os já baixos investimentos produtivos.
Além das demissões na indústria paulista em abril e maio, têm-se observado nestes últimos dias uma diminuição das vendas no varejo e uma acumulação de estoques em alguns setores industriais. Essa diminuição da demanda pode contrabalançar, pelo menos em parte, o previsto aumento do poder de compra dos setores de mais baixa renda, cujo dinheiro desvalorizará menos no mês se cair a inflação.
Ainda que a taxa de juros seja um instrumento poderoso contra a inflação, convém ao governo estar atento contra exageros, pois, mais do que desnecessários, estes podem vir a ser altamente prejudiciais.

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