São Paulo, sexta-feira, 3 de junho de 1994
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Sem medo de parecer idiota

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA – Se fosse chamado a definir o senador José Paulo Bisol, daria uma única e fulminante resposta: "É a paixão com braços". Quem já o viu com um microfone na mão entenderá o que digo.
Bisol não consegue pronunciar uma palavra sem que lhe pingue paixão dos lábios. Suas frases são como produtos feitos em série: vêm sempre acompanhadas de uma exclamação.
O senador não conhece o ponto final, os dois pontos ou o ponto e vírgula. É um escravo do ponto de exclamação. Gestos largos, Bisol gosta de falar também com as mãos. Por isso, digo que é "a paixão com braços".
Como todo apaixonado, o senador é um descuidado. Não tem qualquer receio de parecer idiota. Apenas fala. Diz tudo o que sua aorta manda. E repito: não liga a mínima para a imbecilidade.
Anteontem, Bisol foi flagrado novamente num instante em que babava paixão na camisa. Falando para uma pequena multidão de Santa Maria, assentamento paupérrimo de Brasília, pregou a revolução contra o Estado.
Depois, explicou: "Se um Estado massacra um povo, o deixa com fome, o direito consagra como direito da coletividade o direito à revolução".
Enquanto despejava emoção sobre a patuléia, Bisol atentou contra a lucidez. Reencarnando o Lula que, há uma semana, pôs a "a coisa justa" acima da lei, vestiu-se de terrorista da lógica. Como que enxergando uma Julieta na multidão, Bisol falou como um Romeu suicida.
Veja se não tenho razão. Junto com Lula, Bisol está prestes a transformar-se no próprio Estado. Pode vir a ser vice-presidente da República, quem sabe presidente.
Pois bem: se Deus fosse eleito presidente amanhã, para um mandato de quatro anos, dificilmente conseguiria dar cabo de todos os problemas nacionais. Para mencionar uma questão levantada por Bisol, o Todo-Poderoso teria sérias dificuldades para dar de comer a todos os que têm fome no Brasil.
Como Bisol não é um operador de milagres, supõe-se que um eventual governo petista tenha as mesmas dificuldades. Depois do que disse anteontem, o senador arrisca-se a ver amanhã uma multidão armada à porta do seu gabinete, no Palácio do Planalto. O líder do grupo, virando-se para um Bisol vice-presidente da República, dirá: "Viemos fazer a revolução que o sr. nos recomendou".

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