São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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Prepare-se para a estabilidade econômica

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil convive com inflação alta e crônica há quase 15 anos. Os períodos de estabilidade, em seguida a cada um dos seis planos, não chegam a dois anos. E como foram sempre alternados, não deu para se formar uma cultura da estabilidade.
Ao contrário, prevalece a cultura da inflação, a sensação de que os preços sempre serão maiores amanhã. Isso determina o comportamento do consumidor -que será desastroso caso mantido em período de estabilidade.
Por exemplo: na inflação, é sempre melhor antecipar compras, principalmente para as pessoas que não têm acesso ao melhor mercado financeiro. O dinheiro parado desvaloriza todo dia e, mesmo quando aplicado em um fundão, a valorização é menor que a aceleração dos preços.
No regime de estabilidade, ao contrário, pode ser negócio adiar compras para esperar preço melhor.
Assim, seguem-se aqui algumas regras para a vida na estabilidade que deve ocorrer após a entrada do real. Há regras provisórias, para o período de transição, e regras permanentes.
Entre as provisórias, a mais importante: não se afobe, não saia comprando tudo o que encontra só porque o preço ficou parado uma semana.
Acontece que, como o consumidor, muitas lojas não têm noção do custo real de seus produtos. Outras sabem que ganhavam com a inflação e vão ter de compensar isso.
Resumo geral: o pessoal vai tentar puxar preços para cima, por via das dúvidas. Qual o preço certo de uma coisa? É o preço que as pessoas estão dispostas a pagar. Mas qual é o preço justo e certo?
Na inflação, é praticamente impossível saber. Faça o teste com você mesmo e com os amigos. Quanto está disposto a pagar por uma caixa de fósforo?
Decorre daí a primeira noção para a vida na estabilidade: o consumidor precisa recuperar a noção de preço. Saber o que está caro e o que está barato.
Por isso, é preciso dar um tempo e tomar muito cuidado nesta transição. Os preços vêm dispersos, contaminados por práticas inflacionárias.
Assim, calma e atenção nas seguintes regras permanentes:
1. Economia estável não significa que os preços ficam todos parados. Haverá preços subindo e caindo. O consumidor tem de aprender a lidar com essas variações.
2. Trate de saber o preço efetivo de cada produto. Desde já, considere apenas os preços em URV ou em dólar.
Exemplo: televisores hoje estão mais baratos, em dólar, do que há um ano. Mas estão subindo por causa da demanda da Copa do Mundo. É bom antecipar a compra.
3. Procure saber preços internacionais. Um aparelho de som (com CD e controle remoto) sai por menos de US$ 400 nos Estados Unidos. Em Nova York, uma boa camisa sai por US$ 30.
Tendo adquirido a noção do preço real, comece a se exercitar na noção de preço relativo. Olhe para uma geladeira e um vestido. O vestido deve custar mais barato, a menos que seja assinado por renomado costureiro.
5. Compare preços de mesmos produtos em lojas e supermercados diferentes. Muitos supermercados e lojas de departamentos ganhavam no lucro inflacionário (compravam a prazo, vendiam à vista e aplicavam o dinheiro no intervalo).
Isso vai acabar. Eles terão que fazer lucro operacional. A loja da esquina, com custo de operação baixíssimo, poderá vender mais barato do que uma grande loja mal administrada.
6. Considere sempre a relação preço/benefício, que nada mais do que é o velho ditado: o barato pode sair caro. Um pneu que só dura três meses pode ser muito barato que não serve.
Informe-se sobre a qualidade dos produtos, com conhecidos e publicacões especializadas. Fique atento para prazos de garantia.
7. Além de todas essas noções, considere cada tipo de produto. Há épocas e momentos de comprar mais barato.
8. Alimentos in natura. Fique atento à época da safra. Compre frutas e verduras da época.
Leve em conta as circunstâncias do tempo. Deu geada, queimou o pé de laranja, o preço do suco subiu, faça como consumidor de primeiro mundo: suspenda o produto.
9. Carne de boi. Também tem entrassafra. Fica mais cara. Mude para frango, peixe, o que estiver mais barato.
10. Alimentos industrializados. Muita atenção. É um dos setores mais oligopolizados (duas ou três grandes indústrias fornecem mais de 50% dos produtos).
Quando essas indústrias competem, está tudo bem. Uma trata de tomar mercado da outra oferecendo produto melhor e mais barato. Quando elas fazem acordos, é um assalto ao consumidor: combinam subir preços ao mesmo tempo.
Compre o produto mais barato. Não pode haver grande diferença de qualidade entre pastas de dente. A que você está acostumado subiu? Mude para a mais barata.
11. Roupas. Valem todas as regras acima, inclusive as de época. Guarda-chuva fica mais caro em dia de chuva.
Se tiver condições, procure comprar roupas no exterior, especialmente nos Estados Unidos. As importações brasileiras foram proibidas. Por isso o produto local, na média, ficou mais caro e pior.
12. Eletrodomésticos e eletroeletrônicos. Primeiro cuidado: os preços variam muito. Atenção para as promoções e preços de lançamentos.
Outro ponto importante a considerar é a relação preço-qualidade.
13. Carros. Não seja bobo, não pague ágio. Antes de comprar por 10.000 URVs um carro que vale 7.000 URVs, por que não experimenta pegar um desconto num de 12.000 URVs?
14. Prestação. Aí não tem jeito. Tem que fazer conta. Com os preços estáveis, é mais negócio juntar o dinheiro mês a mês do que pagar os juros da prestação.
Mas se a geladeira quebrou e você não tem o dinheiro para comprar à vista, tome dois cuidados: verifique o peso da prestação na sua renda e não pague juros escorchantes.
Lojas menos eficientes tentam ganhar nos juros o que não conseguem na operação comercial. Assim, compare o preço à vista com a soma de todas as prestações. A diferença é o tamanho dos juros.
Informe-se sobre as taxas mensais. Veja na Folha, todo domingo, como calcular os juros do crediário. As taxas de cheque especial são em geral as mais altas. Acima delas, é roubo.

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