São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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Brasileiros foram às ruas festejar

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os primeiros telegramas sobre o desembarque aliado na Normandia, na madrugada de 6 de junho de 1944, pegaram São Paulo dormindo.
Mas na boêmia capital federal os cariocas comemoraram e discutiram o evento nas ruas e bares de Copacabana até o dia raiar.
A guerra ocupava a maior parte do espaço dos jornais e do tempo das emissoras de rádio –uns e outras, em grande parte, encampados pelo governo Vargas e controlados pelo seu poderoso Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).
Naquele final de outono de 44, o brasileiro cantava "Atire a Primeira Pedra", sucesso de Mário Lago e Ataulfo Alves, fumava o cigarro Ritz –novidade barata da Souza Cruz (Cr$ 1,00 o maço)–, vestia paletó e chapéu e mantinha a carteira protegida dos punguistas ao subir nos bondes do Rio e de São Paulo.
O Brasil da época era um país em rápida transformação. Com 45 milhões de habitantes (60% deles analfabetos), vivia um surto de crescimento industrial, motivado sobretudo pela guerra e pela necessidade de produzir aqui bens que antes chegavam da Europa.
O Estado brasileiro lançava-se como agente econômico e investia pesadamente em infra-estrutura.
Entre as realizações do período estavam a Companhia Vale do Rio Doce, a Siderúrgica de Volta Redonda (que começaria a produzir em 1946) e a Fábrica Nacional de Motores.
Criada originalmente para equipar aviões para a guerra, a FNM acabaria fabricando caminhões e veículos pesados.
São Paulo crescia aceleradamente e quase alcançava o Rio de Janeiro em número de habitantes: 1,5 milhão contra 1,8 milhão da capital federal.
As duas maiores cidades brasileiras ainda não eram os impérios absolutos do automóvel que se tornaram hoje.
Pouco mais de 200 mil carros circulavam em todo o país –todos eles importados, pois aqui não havia ainda indústria automobilística.
Pelas ruas de São Paulo trafegavam 3.000 ônibus e 500 bondes. Hoje, dez vezes maior, a cidade tem uma frota de 10.300 coletivos.
Os prefeitos das duas cidades –Prestes Maia em São Paulo, Henrique Dodsworth no Rio– eram ambos do tipo "que ergue e destrói coisas belas".
O primeiro tinha acabado de construir o estádio do Pacaembu (em 1940), o túnel da 9 de Julho e a avenida Ibirapuera.
As principais realizações de Dodsworth eram o aeroporto Santos Dumont e a avenida Getúlio Vargas, que ligava o centro à zona norte e seria inaugurada com toda a pompa em setembro de 44.
O futebol já era a grande paixão popular. No último fim-de-semana antes do Dia D, 60 mil pessoas viram Palmeiras e São Paulo empatarem no Pacaembu, o maior estádio do país naqueles tempos pré-Maracanã.
Um dos três gols do São Paulo foi marcado pelo legendário Leônidas, o Pelé da época.
Filmes de guerra americanos, como "Sargento York" e "Casablanca", dominavam as sessões duplas dos cinemas (a Cr$ 2 o ingresso), completadas com comédias brasileiras estreladas por Oscarito e Grande Otelo.
A influência norte-americana, aliás, era crescente na música (com o jazz), nos costumes e até no vocabulário.
Em 1944, Portinari criava o mural de azulejos da igreja da Pampulha, Drummond escrevia "A Rosa do Povo", a maior revista do país era "O Cruzeiro" (90 mil exemplares), Walt Disney lançava "Você Já Foi à Bahia?" e o Brasil era "o país do futuro".
Pelo menos era o que tinha escrito o austríaco Stefan Zweig, antes de se suicidar com a mulher em Petrópolis no Carnaval de 42.

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