São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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Hoje seria impossível surpreender os alemães, diz coronel brasileiro

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O coronel da reserva Eri Maia Gonçalves, 58, é considerado um dos oficiais brasileiros que mais entendem de estratégia militar.
Ele estudou a disciplina na Escola Superior de Guerra, na França, e, no Brasil, lecionou-a na Escola de Comando do Estado Maior do Exército.

Folha - Se ocorresse hoje um desembarque na Normandia, e fazendo abstração do armamento nuclear, como seria o confronto?
Coronel Eri Maia Gonçalves - Seria preciso, antes de mais nada, imaginar a tecnologia que estaria à disposição de um lado e do outro.
Mas digamos que seria impossível surpreender os alemães porque o sistema eletrônico de vigilância detectaria com muita antecedência a reunião de 5.300 embarcações que atravessariam o Canal da Mancha.
Folha - Com relação às peças de artilharia?
Coronel Eri - As armas hoje são mais leves, atiram mais longe, a munição é mais leve e, sobretudo, o armamento contra blindados é muito mais poderoso e de maior precisão.
Folha - A Normandia foi o lugar estrategicamente mais adequado para o desembarque?
Coronel Eri - Churchill e Roosevelt discordavam sobre essa questão. Churchill defendia um desembarque no Adriático.
Com essa alternativa, ele procuraria chegar a Berlim por Viena e Praga. O caminho era mais curto e afastaria o Mediterrâneo do avanço soviético. Os alemães permaneciam, no entanto, na expectativa de um desembarque pelo Canal.
Folha - Se essa expectativa existia, por que então a "recepcão" ao inimigo foi tão falha?
Coronel Eri - Um mês antes do Dia D, Hitler determinou que quatro divisões blindadas fossem colocadas na retaguarda, mas sob o seu comando direto.
Quando ele se decidiu a lançar mão dessas forças, os aliados já haviam desembarcado, já estavam aferrados no terreno e as forças blindadas alemãs, que teriam sido cruciais no momento da invasão, só combateram mais tarde, de forma dissiminada.
Folha - O momento do desembarque foi o mais oportuno?
Coronel Eri - A operação só poderia ter ocorrido no verão de 1944. Pelo planejamento da operação, a natureza seria menos hostil em razão de ventos e marés.
Se o desembarque tivesse ocorrido no ano seguinte, os alemães, segundo os serviços de inteligência aliados, já poderiam ter a arma nuclear.
Além disso, o desembarque se deu a 6 de junho e no dia 12 daquele mês Hitler lançou sobre Londres a primeira bomba voadora V-1.
Folha - Houve algum momento em que a operação aliada correu o risco de não dar certo?
Coronel Eri - O desembarque se deu em cinco setores -dois norte-americanos, dois ingleses e um canadense.
O único problema sério surgiu em Omaha, uma das praias norte-americanas. A mortalidade foi muito elevada. Os americanos foram surpreendidos pela presença de uma divisão alemã, que não havia sido localizada.
Essa divisão combatia muito bem, porque tinha experiência da frente russa. Os americanos sofreram 10 mil baixas.
Folha - O Brasil combateu ao lado dos aliados na Itália. Seus soldados teriam qualificação técnica para participar de uma operação tão complicada?
Coronel Eri - Na realidade, os únicos que tinham a prática de desembarque eram as forças norte-americanas do Pacífico, comandadas pelo general McArthur.
Ele e seus homens, do Exército e os fuzileiros navais, já tinham uma prática muito grande. Mas as tropas que desembarcaram na Normandia eram calouras.
Eram tão inexperientes quanto a nossa Primeira Divisão de Infantaria Expedicionária, que combatia na Itália.
Folha - Os alemães não poderiam ter bombardeado as barcaças aliadas, quando elas atravessavam o Canal da Mancha?
Coronel Eri - Não, não poderiam porque havia uma supremacia aérea aliada. A aviação alemã já estava destruída àquelas alturas da guerra.
Folha - A defesa antiaérea alemã foi então mais eficaz?
Coronel Eri - Houve reação antiaérea. Só entre os aviões com pára-quedistas, em torno de 30 foram derrubados pela artilharia antiaérea inimiga.
Folha - Por que esse padrão de contra-ofensiva não chegou a ameaçar a marcha dos aliados sobre Berlim?
Coronel Eri - A Alemanha já estava destroçada. A maioria das 60 divisões que eles possuíam na Europa já estava desfalcada, com equipamento incompleto.
Folha - É possível dizer que, com o sucesso do Dia D, a Alemanha não mais poderia ganhar a guerra?
Coronel Eri - Os chefes militares alemães sabiam disso. Alguns deles passaram a defender um desfecho negociado, para impedir que os russos ocupassem parte do território alemão.
Folha - Será que Hitler não estava pessimista?
Coronel Eri - Os técnicos alemães haviam superestimado a potencialidade das bombas voadoras que entrariam em ação.
Hitler acreditava que elas seriam mais destruidoras e atingiriam seus alvos com maior precisão. Ele imaginava que um dilúvio de bombas V-1 sobre Londres levaria os aliados a pedirem a paz.

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