São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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Abrigo secreto salva mulheres da morte

DANIEL CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Nove mulheres e 29 crianças estão hoje trancadas em um esconderijo, em São Paulo, cujo endereço é mantido em segredo pela polícia.
Essas mulheres estão escondidas porque foram ameaçadas de morte pelos próprios maridos ou companheiros. Foram ofendidas, espancadas e estupradas. Decidiram fugir de casa com os filhos.
O esconderijo é, na verdade, um abrigo mantido pela Secretaria de Segurança Pública. Funciona há quatro anos e tem 50 vagas.
Desde 91, 123 mulheres passaram pelo abrigo. No ano passado, 71 mulheres se exilaram no local, junto com 171 filhos.
Localizado a poucos metros de uma das avenidas mais movimentadas de São Paulo, o esconderijo é discreto. Por fora, se parece com um depósito comercial, protegido por um portão de ferro.
Lá dentro, tenta-se reproduzir uma casa. Os corredores têm cartazes antiviolência e imagens de Cristo. Nas portas dos quartos, placas de madeira estampam nomes de mulheres famosas –como Joana D'Arc.
A única entrada para o abrigo é a 1ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), no centro de São Paulo. A delegacia funciona como uma espécie de "embaixada" das mulheres que procuram exílio.
Na 1ª DDM, delegadas, psicólogas e assistentes sociais examinam cada caso –foram 283 em abril.
"Só vão para o abrigo as mulheres que serão assassinadas se voltarem para casa", diz Isilda de Carvalho Ferreira, 39, delegada que chefia as 116 DDMs do Estado.
Para chegar ao abrigo, as mulheres passam por uma operação que lembra as fugas dos perseguidos por regimes autoritários.
Na delegacia, elas são orientadas a voltar para casa e, em segredo, juntar algumas peças de roupas em uma sacola.
Quando o marido estiver dormindo, devem fugir com as crianças, com o cuidado de não serem percebidas pelos vizinhos.
"Elas chegam muito assustadas e sem perspectivas. Se acham feias e reduzidas", diz Marlene Caverzan, diretora do abrigo.
No esconderijo, as abrigadas podem ficar até três meses. Lá, dividem tarefas como se estivessem em casa –cozinham, lavam, passam e cuidam das crianças.
Durante a estadia, serão orientadas "a começar de novo". Logo no primeiro mês, a direção do abrigo trata de empregá-las em empresas. O próximo passo será alugar uma casa.
Nem todas conseguem. Das 71 mulheres abrigadas no ano passado, 19 (26%) voltaram para o marido. Outras 21 (29%) conquistaram autonomia e foram viver com os filhos em casa nova.
Impunidade
Enquanto as vítimas da violência conjugal têm que se esconder, seus agressores estão nas ruas.
"É muito difícil fazer um flagrante de agressão", diz a delegada Isilda Ferreira.
Segundo ela, os homens que violentam suas mulheres geralmente não têm antecedentes criminais. Quando presos, têm direito a pagar fiança e a responder processo judicial em liberdade.
Levantamento feito pela 1ª Delegacia de Defesa da Mulher, junto a 4.435 denúncias registradas em 92, mostra que entre os agressores há homens de classe média.
Naquele ano, 486 acusados foram identificados como ajudante gerais. Fotógrafos (2), vendedores (41), advogados (22), publicitários (3), empresários (11) e policiais (42) também estavam na lista.
Segundo o levantamento, a maioria das 8.316 mulheres agredidas não trabalhava (41%) ou era empregada doméstica (38%).
As vítimas tinham entre 21 e 40 anos (38%), eram casadas com o agressor (49%) e só cursaram o 1º grau (47%).

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