São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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Crise do Judiciário é fenômeno mundial

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Nossos juízes, incluindo ministros da Suprema Corte, estão, hoje, entre os menos qualificados do mundo democrático. Muitos saíram das fileiras da mediocridade, e talvez dos restos da profissão legal. Há juristas distintos que assumem a toga, mas são numericamente superados pelas mediocridades. Muitos juízes são incrivelmente preguiçosos, encarando sua posição como uma espécie de tranquila aposentadoria que os livrou das dificuldades da advocacia. Alguns são corruptos, muito embora recebimento de dinheiro seja raro nos dias que correm. A moeda atual da corrupção é a troca de favores e de influência."
Proferi as palavras do parágrafo anterior em Brasília durante a "1ª Jornada de Estudos Jurídicos", coordenada pelo Ministro Dias Trindade, no Superior Tribunal de Justiça. Só então esclareci que nada daquilo se referia ao Brasil. Eram palavras de Alan Dershowitz, advogado criminalista americano, a respeito da justiça de seu país, no livro "Contrary to popular opinion" (Pharos Books, 398 páginas). A leitura pretendeu mostrar que a crise do Judiciário é mundial.
A insatisfação existe em países da Europa. Até na Itália. Sim, na Itália, onde centenas de prisões cautelares –nem sempre justas e prudentes– não são seguidas pelo julgamento definitivo. Já se percebeu na Itália que só o escândalo não basta. É necessário que os processos terminem, absolvendo ou condenando os acusados. Enquanto a decisão final não vem, só os culpados são beneficiados, submetidos ao mesmo escárnio público com os inocentes.
Há duas saídas básicas para o Judiciário. A primeira –e mais óbvia– consiste em aperfeiçoar os mecanismos pelos quais a máquina estatal opera o monopólio da justiça: o Judiciário é exercício de governo, através do juiz. Requer aprimoramento humano (melhorar a qualidade dos magistrados nas escolas da magistratura, conforme sustentou o Ministro Carlos Mario Veloso), aprimoramento funcional (prover os cartórios de gente competente, numerosa e bem remunerada), aprimorando material (dotar os serviços dos meios modernos da informática e dos sistemas de trabalho).
A segunda saída consiste em criar sistemas decisórios fora do Judiciário como, por exemplo, excluir todo debate entre entes públicos. Municipalidades, Estados e União resolverão suas questões sem ajuda da magistratura. Pode parecer estranho, mas outra saída consiste em aplicar a lei com rigor contra os calotes do Poder Público. As desapropriações servem de exemplo. Se os órgãos do Executivo só pudessem desapropriar bens privados garantindo com o pedido inicial o preço justo (a valor de mercado) –respeitando, assim, a Constituição– muitos processos seriam evitados.
Há que difundir o arbitramento, sobretudo se vier a estabilidade da moeda. Enquanto não houver estabilidade vai ser difícil, porque hoje o economicamente forte não tem interesse em aceitar a rapidez da arbitragem. Ganha com a demora.
O Judiciário mostra sinais de que compreende a necessidade de ter mais força no enfrentamento das dificuldades prejudiciais de sua respeitabilidade no cenário sócio-político nacional conforme demonstrou o Ministro Sálvio de Figueiredo, na mesma oportunidade. Não nos consola muito que o fenômeno seja mundial. Mas evidencia que podemos enfrentá-lo com serenidade e sem complexos, talvez até na busca de uma nova equação para o poder, esquecendo a velha tripartição de Montesquieu.

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