São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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Despedida temporária e nova travessia

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quero despedir-me, temporariamente, de meus leitores destas "lições contemporâneas". Fiquei quase um ano nesta Folha, onde tentei aprender a escrever para jornal sem virar jornalista. Os leitores que me perdoem as flutuações de estilo e os artigos compactos com idéias demais.
Na ânsia de transmitir o que aprendi durante tantos anos de ensino e de concentrar-me nos pontos mais duros das conjunturas brasileira e mundial, devo ter provocado a dor de cabeça dos profissionais do ramo e de muitos amigos, ex-alunos e economistas jovens que me deram o privilégio de sua atenção.
A partir de hoje vou mergulhar numa nova aventura, para a qual tenho menos experiência ainda, a de tentar representar o povo do Rio de Janeiro, Estado de minha residência há 40 anos.
Daqui com os pés e coração na ex-cidade maravilhosa e com a cabeça no caos de Brasília, ex-cidade do futuro, capital desta nação tropical e dilacerada, vou percorrer os caminhos da minha redescoberta do Brasil.
Escolhi e fui escolhida pelo PT para tentar lutar melhor pelo sonho da minha vida: uma democracia social que tenha como horizonte o socialismo democrático. Como portuguesa de origem e "navegadora" latino-americana, já sei há muito tempo que a terra é redonda e que no caminho da estrela, antes de chegar ao Oriente, encontrarei sempre o Brasil real que não é a África nem a Índia de há muito conhecidas.
Um país que está sempre sendo redescoberto, mas que precisa é ser reconstruído e não reinventado. Por isso é que escolhi o PT, para poder aprender com os meus companheiros mais jovens como construir uma nova sociedade e não apenas pensá-la como utopia.
Talvez para espanto da direção da Folha, que me acolheu com tanta generosidade nos meus balbuceios de professora-jornalista, devo confessar que esta decisão surgiu quando escrevia os artigos desta coluna, no começo deste ano.
Quem se der ao trabalho de reler a minha ira crescente sobre os "planos FHC" e, em particular, o artigo da passagem de 1993 para 1994, "É tempo de lutar pelo futuro", verá que lá estão as razões da minha decisão.
Dizia eu, em 1º de janeiro: "Meu sentimento, hoje, neste começo de `ano velho', é que não se pode mudar o futuro com a mágoa e as lembranças do passado, mas que é preciso enfrentar o presente com ira, paciência e determinação".
Não que me tenham faltado na vida essas características que levo gravadas fundo no meu coração e na minha cabeça. Foi a rejeição às políticas dos meus ex-companheiros de luta democrática que me impulsionou para dar novamente o salto para a vida política ativa.
Minha militância no PMDB durou de 1978 a 1988 e está indissoluvelmente ligada a duas personalidades públicas deste país: Ulysses Guimarães e Fernando Henrique Cardoso.
O primeiro, Deus levou antes de testemunhar a ruína do seu partido e o apodrecimento da grande frente democrática que liderou durante tantos e tantos anos, nesta travessia infindável para a democracia.
O segundo foi meu companheiro da luta político-intelectual por décadas. Quando saiu para fundar o PSDB não o acompanhei porque o grupo de economistas do PMDB permaneceu fiel a Ulysses, já que era sob sua serena condução que nos movíamos. Foi na sua ala, a Travessia, que nos reuníamos para discutir, organizar programas econômicos e debater com os quadros técnicos e cúpulas políticas do partido.
A desintegração do PMDB começou antes da saída do PSDB. A meu juízo, a liderança de Ulysses começou a ficar vulnerável com a derrota da campanha pelas diretas. Com todo o respeito devido à figura de Tancredo Neves, um democrata convicto desde os tempos de Getúlio Vargas, sua opção pelo Colégio Eleitoral revelou-se, como todos os ulissistas temiam, um verdadeiro desastre, agravado por sua morte dramática.
Fernando Henrique já então fizera sua opção pelo realismo político, que diz que a política é a arte do possível e alinhou-se com Tancredo, mas ainda não abandonara suas posições de princípio.
Aparentemente, manteve-as até a sua terrível experiência à testa do Ministério da Fazenda, com o desaguadouro conhecido de sua candidatura a Presidência da República.
O apoio do PFL, buscado por alguns poucos cardeais de seu partido, é constrangedor para a maioria dos seus amigos e até de muitos quadros do próprio PSDB.
Celso Furtado, caro mestre de muitas gerações, disse-me com tristeza outro dia que já não havia conseguido parabenizá-lo por sua aceitação do cargo de ministro da Fazenda.
Eu, em meu impulso de "solidariedade no câncer", que aprendi com os cariocas e não com os mineiros, mandei-lhe um fax dizendo o que meu coração pedia: que estava rezando por ele e torcendo para que conseguisse levar a nau a um porto mais seguro. Minhas avaliações sobre os descaminhos do piloto são conhecidas pelos leitores desta coluna.
FHC disse outro dia a esta Folha que desde que entrei para o PT estou ficando histérica. Ele me conhece muito bem e sabe que não é verdade, que é exatamente o contrário.
Sabe ele e todos os que me conhecem que, quando fico com medo, angústia e ira, busco o apoio de um trabalho de equipe em cujos rumos confio, para um trabalho coletivo que é o único em que acredito, já que o narcisismo não é uma característica da minha personalidade nem da esmagadora maioria das mulheres deste mundo.
Em 1968 busquei o Cebrap e depois o Chile para apoio intelectual e político. Em 1978 busquei junto com ele o MDB. Durante todo o tempo não deixei a universidade, que é a minha casa de origem, pela qual optei de novo em 1986, no auge do sucesso do Cruzado.
Hoje, professora emérita como FHC, não renuncio a nenhum de meus escritos, passados ou presentes, a nenhum de meus mestres, mortos ou vivos, a nenhum de meus discípulos, estejam eles comigo ou não. Renuncio sim, temporariamente, à minha tarefa de professora e, quem sabe, definitivamente, a alguns de meus ex-companheiros.
Quero aprender de novo a reconhecer e amar melhor o meu povo do Rio de Janeiro, quero aprender a viver sem medo, sem ira e sem desespero esta nova viagem ao meu país real. Não quero fabricar falsas moedas, nem falsas ilusões.
Com 64 anos de idade, mais de 40 de vida universitária, e quase outros tantos de servidora pública, nacional e internacional, quero recomeçar humildemente a ganhar o "direito de ser feliz" e de praticar uma vida política ativa e democrática.
Por isso votei e votarei de novo em Lula, a maior liderança popular e democrática deste continente americano. Por isso escolhi o PT para o meu renascimento. Mais vale tarde do que nunca. Já estou de novo com o meu povo, com meus companheiros. É preciso navegar e viver. Terra à vista!

Durante a campanha eleitoral, MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES escreverá uma vez por mês. Após este período, a coluninsta retomará a periodicidade normal.

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