São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994 |
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O tratado que dividiu o Brasil
CLÁUDIA PAS; JAIME RODRIGUES
Os protagonistas eram os dois únicos Estados unificados da Europa: Portugal e Espanha, que queriam dividir o mundo entre si. Foi traçada uma linha imaginária a 370 léguas (cerca de 2.350 km) a oeste do arquipélago de Cabo Verde (620 km a oeste do litoral africano). O tratado foi assinado pelos reis espanhóis Isabel de Castela e Fernando de Aragão e pelo monarca português d. João 2º, na pequena vila de Tordesilhas (no centro da Espanha). O papa Alexandre 6º mediou o encontro. Com a descoberta do Novo Mundo, em 1492, surgiu a questão sobre o direto de posse das terras recém-descobertas. No ano seguinte, o papa Alexandre 6º, espanhol, homologou uma bula que repartiu o mundo entre as duas nações. A linha divisória ficava a cem léguas (635 km) de Cabo Verde. Tudo o que ficava a oeste da divisão, o que incluiria o Novo Mundo, passaria a ser dos espanhóis. A leste, incluindo África e Ásia, dos portugueses –que não aceitaram a partilha. Segundo o professor do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB), Estevão de Rezende Martins, 47, a resistência de Portugal à bula levanta a hipótese de que o país já desconfiava da existência do Brasil antes da descoberta oficial em 1500. "Se os portugueses não sabiam, ao menos intuíam a localização do Brasil a 370 léguas de Cabo Verde. De alguma forma, sabiam que a cem léguas só existia um pedaço de oceano", diz Martins. A divisão só foi resolvida no ano seguinte, em 1494, através do Tratado de Tordesilhas. A novidade diplomática O Tratado de Tordesilhas nasceu de uma atitude inovadora para a época: a de resolver problemas políticos entre nações concorrentes por via diplomática. Esse é um dos aspectos do tratado destacado pelo historiador Fernando Novais, do Departamento de História da USP e do Instituto de Economia da Unicamp. "É um tratado internacional firmado entre as duas nações que no final do século 15 eram as mais importantes da Europa e as únicas constituídas como Estados unificados,", diz Novais. "Tratava-se ainda de um acordo político num mundo onde a diplomacia não existia. Tordesilhas aparece como precursor das relações internacionais." Novais chama a atenção para a presença do papa como árbitro do acordo - uma atitude tipicamente medieval, num momento em que se estabeleciam novas formas de relações entre os Estados europeus, mais características da Idade Moderna, que começou em 1453. O registro da linha fictícia que dividia o mundo aparece pela primeira vez no mapa manuscrito elaborado em 1502 (veja reprodução ao lado). Conhecido como mapa de Cantino, encontra-se na Biblioteca Estense, em Módena, na Itália. O mapa foi comprado ilegalmente, por uma quantia irrisória, pelo italiano Alberto Cantino e desapareceu em 1859. Em 1870, foi encontrado num açougue de uma cidade do interior da Itália. Mas é um outro mapa que melhor representa os interesses portugueses. Em 1561, Bartolomeu Velho traçou a linha de Tordesilhas de forma a incluir do lado português a foz do rio da Prata, via de acesso às minas de prata do Peru. A linha de Tordesilhas deixou de existir na prática em 1580, com a unificação de Portugal e Espanha, depois da morte do rei português d. Sebastião, naquele ano. A partir daí, o mundo todo seria da coroa espanhola –se os outros países tivessem aceitado o tratado e não realizado suas próprias conquistas. Texto Anterior: Por que existe o ano bissexto? Próximo Texto: Confecção de mapas era segredo de Estado Índice |
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