São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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Cartas ao Brasil

CLAUDIO JULIO TOGNOLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Sigmund Freud, pai da psicanálise, escreveu e remeteu ao Brasil uma série de cinco cartas entre os anos de 1926 e 1931. A correspondência é inédita, não consta das biografias de Freud e foi obtida com exclusividade pelo Mais! (leia as cartas na página ao lado).
A correspondência será divulgada apenas no próximo dia 13, quando a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) lança o livro "Álbum de Família - Imagens, Fontes e Idéias da Psicanálise em São Paulo". A edição foi coordenada pelo psicanalista Leopold Nosek, 47, atual presidente da SBPSP, e publicada pela Casa do Psicólogo. O lançamento acontece às 20h no Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, zona sul de São Paulo).
As cartas indicam a preocupação que Freud (1856-1939) nutria pelos divulgadores no Brasil da "jovem ciência" (como ele chama sua teoria em uma das cartas). São um recibo histórico de que queria acompanhar os trabalhos do núcleo de estudos psicanalíticos em São Paulo, que em 1944 se consolidaria como a SBPSP.
Durval Marcondes, médico psiquiatra de formação, considerado o pioneiro da psicanálise em São Paulo, é o desencadeador do interesse de Freud.
Em 1926, então com 27 anos, Marcondes prestou concurso para a cadeira de literatura no Ginásio do Estado de São Paulo e enviou ao autor de "Totem e Tabu" sua tese defendida no exame. A tese chamava-se "O Simbolismo Estético na Literatura - Ensaio de uma Orientação para a Crítica Literária Baseada nos Conhecimentos Fornecidos pela Psycho-analyse".
Freud envia sua primeira resposta em 18 de novembro de 1926. O cabeçalho da carta, batida à máquina, traz impressos a apresentação "Prof. Dr. Freud" e o célebre endereço da rua Bergasse, 19, em Viena –residência e consultório de Freud e hoje o local de um museu em sua homenagem.
Em 16 linhas datilografadas, em espaço dois, Freud, na época com 70 anos, abre a carta com um superlativo, "Honradíssimo Senhor", seguido de uma exclamação. Desculpa-se por não dominar o português, mas afirma que conseguiu "deduzir", graças aos seus conhecimentos de espanhol, os interesses do jovem Durval. Assegura-lhe que achará "rica e recompensadora em revelações" a associação da psicanálise com as "belas-letras".
Uma segunda carta de Freud chega ao Brasil em 10 de janeiro de 1927, endereçada ao também psiquiatra Osório César, que lhe remetera seu livro sobre os internos do Hospital do Juquery. Em 16 linhas também datilografadas Freud escreve: "Causa-me grande satisfação a prova de interesse que a nossa psicanálise vem despertando no seu distante Brasil."
Durval Marcondes volta a escrever a Freud em 1927, quando lhe comunica a fundação da Sociedade Brasileira de Psicanálise, a primeira instituição psicanalítica da América Latina.
Freud responde agora em 22 linhas manuscritas, em carta datada de 27 de junho de 1928. "Caro colega, a visão da nova Revista Brasileira de Psicanálise me deu muito prazer", escreve. E revela –dado até hoje desconhecido em sua biografia– que teria começado a aprender o português: "Comprei uma pequena gramática portuguesa e um dicionário alemão-português. Durante estas férias eu quero chegar ao ponto de poder ler pessoalmente a revista."
Sigmund Freud volta a se corresponder com Durval em outra missiva, também a bico de pena, de 25 linhas. Datada de 11 de agosto de 1928, diz a carta: "Agradeço pelo seu minucioso relatório sobre os acontecimentos esperançosos em seu país". Durval lhe reportara os avanços do movimento psicanalítico no Brasil.
Em 1931, um episódio extravagante traz de volta a necessidade de comunicação com Freud. Um prestidigitador e telepata se apresenta em São Paulo, dizendo-se amigo de Freud e conhecedor da psicanálise, que ele utilizaria em seus truques teatrais. O ilusionista irrita os psicanalistas, sobretudo Durval Marcondes, que escreve a Freud a respeito (leia sobre o episódio na página ao lado).
Este não seria o último contato com Freud. Em 18 de janeiro de 1931, chega a derradeira carta de Freud a Durval, na verdade um cartão-postal de Viena.
Além da correspondência de Freud, o álbum editado por Leopoldo Nosek, faz um amplo retrospecto dos anos pioneiros da psicanálise em São Paulo, relacionando, através de rico material iconográfico, a história da Sociedade com a história socioeconômica e cultural do país e do mundo. O livro relata ainda contatos mantidos por membros da Sociedade com Wilfred Bion e Melanie Klein.
"Para fazer o livro levamos cinco anos gravando depoimentos dos mais antigos membros da sociedade", conta Nosek. "O livro é cheio de imagens, que seriam como uma matéria-prima para sonhos."

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