São Paulo, domingo, 5 de junho de 1994
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Soldados da FEB visitam locais de combate

RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL A MONTECATINI

Mesmo 50 anos depois de ter lutado na Itália na Segunda Guerra Mundial, a FEB (Força Expedicionária Brasileira) ainda pode ser considerada um retrato fiel da sociedade brasileira.
É o que se depreende de uma amostra da experiência de expedicionários que estão hoje visitando os locais em que combateram na Itália em 1944-45.
José Alfio Piason, médico em Campinas, foi tenente no 1º Batalhão do 6º Regimento de Infantaria. Ele foi um bom exemplo da desorganização inicial da FEB –apesar de médico, foi recrutado como combatente– "meu batalhaão tinha cinco médicos como infantes".
Isso em um Exército que na época tinha dificuldades em encontrar especialistas em diversas áreas. No agrário Brasil dos anos 40, era difícil achar mecânicos, especialistas em rádio ou mesmo simples motoristas.
Mas a passagem de Piason pela Itália é principalmente um exemplo de outro tipo de atitude.
"Eu sempre achei que o soldado precisava ser esclarecido", diz Piason, que foi quem dirigiu o primeiro jornal feito por e para os soldados da FEB.
O primeiro redator do jornal era o "soldado Vidigal" –Geraldo Vidigal, depois professor titular da Faculdade de Direito da USP.
Alunos da faculdade, por serem contra a ditadura de Getúlio Vargas, foram para a guerra como "castigo".
O jornal da FEB procurava dar conselhos práticos, entreter –por exemplo publicando a versão brasileira da clássica canção da guerra, "Lili Marlene"–, ou esclarecer os motivos de tropas do país lutarem na Itália.
Para muitos não havia dúvidas. Submarinos alemães afundaram navios brasileiros, e o revide contra o nazi-fascismo era suficiente.
"Os oficiais e graduados eram esclarecidos, mas 40% não tinha idéia do que fazia ali", diz Romulo França, que era soldado do 1º Regimento de Infantaria.
Muitos se preocupavam apenas com as dificuldades naturais da luta em uma situação muito estranha para soldados de um país tropical –montanhas e neve, muita neve.
"Tinha um que disse, olhando para os morros, `a gente não conquistou nenhum ainda e tem todos aqules"'.
Para azar dos brasileiros, o inverno de 44-45 foi um dos piores da década.
"Sou de Natal (RN), acostumado a 28 graus, e fui lutar a 20 graus abaixo de zero", afirma França.
O 1º Regimento (um regimento é uma unidade com 5.000-6.000 homens) foi lançado em combate sem nenhuma experiência de aclimatação à frente e sofreu com isso.
Outro regimento, o 11º, teve experiência parecida.
"Recebemos nossas armas pouco antes, e ainda tinham graxa", diz Jairo Junqueira da Silva, do 11º, que na guerra comandou morteiros e se tornou engenheiro militar depois dela.
Gerson Machado Pires, do 6º Regimento de Infantaria, era oficial de carreira –"por isso não tinha que reclamar de estar ali"–, e diz que se surpreendeu com a resistência e, sobretudo, inventividade do soldado brasileiro.
"Alguns nem sabiam por que estavam lá", diz Machado. Mas isso não impediu que combatessem bem, e se adaptassem.
Por exemplo, ao forrar as galochas de palha e jornal, tiveram menos casos de pé-de-trincheira (congelamento dos membros inferiores, com risco de amputação) que soldados americanos que insistiam em usar botas e meias apertadas.
A guerra trouxe uma camaradagem que dura 50 anos.
Seguindo-se à influência da missão militar francesa, a "americanização" do Exército, paralela à que acontecia na civilização ocidental em geral, trouxe maior democracia nas relações entre os combatentes.
"No Exército tipo francês você era um escravo", diz Otavio Ferreira da Rocha, soldado do 1º Grupo de Obuses Auto-Rebocados (equipado com canhões de calibre 105 milímetros).
Rocha, conhecido desde 1941 como "Foguinho" pela sua atração pelo vinho, foi depois o fundador de uma cidade, Santa Rita do Oeste (SP).
E, apesar de ter feito uma cidade, ainda é o "Foguinho" para os colegas da FEB.
A democratização também foi política, como consta dos livros escolares. A FEB lutou ao lado das democracias ocidentais e ajudou o Brasil a entrar nesse time depois da guerra.
"Quando a gente voltou, a gente fez a democracia", diz Antonio Cruchaki, ex-soldado do 9º Batalhão de Engenharia.

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