São Paulo, sábado, 11 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cartas comprovam excelência como prosista

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Elizabeth Bishop (1911-1979) é considerada a mais importante poeta dos EUA da segunda metade deste século.
Seus quatro livros de poucos, curtos e perfeitos poemas são reverenciados pelos americanos desde as escolas de primeiro grau até os cursos de pós-graduação das melhores universidades.
Agora, a publicação de 541 de suas cartas a pessoas íntimas mostra que ela também foi uma prosista excelente e uma escritora prolífica (mais de 2.700 não foram selecionadas e centenas foram destruídas há anos).
"One Art", livro organizado por Robert Giroux, editor e amigo de Bishop, é indispensável para quem gosta da sua poesia pelo que revela da pessoa que a produziu: uma observadora aguda do mundo, inteligente, cômica, elegante.
Mesmo os que não pertencem ao grupo de devotos de Bishop, este é um livro importante, em especial para brasileiros, pelo que revela do país visto por uma estrangeira sensível e arguta, que planejou passar duas semanas no Brasil e viveu os 15 anos mais felizes de sua vida ali.
O pai de Elizabeth Bishop morreu quando ela tinha um ano. A mãe foi mandada em definitivo para um sanatório quando ela tinha cinco anos.
Sua excelente educação formal foi garantida pela herança do pai. Estudou em ótimas escolas e fez sólidas amizades com escritores como Mary McCarthy, Robert Lowell, Marianne Moore.
A maturidade intelectual e artística veio cedo para Bishop. A emocional, ela nunca atingiu. "Quando você escrever meu epitáfio, diga que eu fui a pesoa mais solitária que já viveu", ela pediu a Robert Lowell.
Em 1951, Bishop resolveu fazer "uma viagem louca" pela América do Sul, de navio. Chegou a Santos em novembro. Foi para o Rio, onde se encontrou com uma moça que ela havia conhecido pouco tempo antes em Nova York.
Maria Carlota Costellat de Macedo Soares, a Lota, mudou a vida de Bishop. As duas se apaixonaram. Lota pediu a ela que vivessem juntas.
Lota era filha do dono do "Diário Carioca", o mais importante jornal do Rio nos anos 30 e 40.
O fato de Lota ter-lhe oferecido sua casa em Petrópolis para dividir com ela recebeu essa avaliação: "Foi a primeira vez que qualquer pessoa jamais me ofereceu um lar. O gesto de Lota significou simplesmente tudo para mim".
Na visão de Bishop, assim era o Brasil entre 1951 e 1966: "É um país onde alguém pode se sentir de algum modo mais perto da vida real antiquada. Tragédias ainda existem, as vidas das pessoas têm altos e baixos dramáticos, finais ou começos como os dos contos de fadas".
Mas as coisas em algum tempo deixaram de parecer um mar de rosas para Bishop no Brasil. Especialmente depois que Carlos Lacerda, amigo de Lota, se elegeu governador do então Estado da Guanabara e ela se envolveu por completo com o projeto de construção do Parque do Flamengo.
Embora escrevesse aos amigos com admiração pela energia e dedicação de Lota, Bishop também demonstrava ciúme e ressentimento por ter perdido a exclusividade das atenções da companheira.
Elas tiveram que se mudar para o Rio, "esssa cidade pobre, andrajosa e mimada". Bishop sofria com as dificuldades de Lota na política. "Eu estou completamente farta da política brasileira, da grande e da pequena".
Lota reclamava da tendência de Bishop para o alcoolismo que a colocava com frequência em situações embaraçosas.
Depois que Bishop aceitou oferta para dar um curso na Universidade de Washington em 1966, Lota foi diagnosticada com arteriosclerose. Em 16 de setembro de 1967, um dia depois de ter chegado a Nova York para visitar Bishop, Lota se matou.
Bishop escreveu sobre seu retorno ao Brasil em novembro de 1967: "Foi uma das experiências mais perturbadoras da minha vida e vai levar muito tempo para eu me recuperar dela".
As cartas desse período até 1970 relatam que ela foi maltratada por amigos e, familiares de Lota, que muitas de suas propriedades lhe foram tomadas de maneira desonesta.
Ela ainda viveu até 1970 em Ouro Preto, na Casa Mariana, que havia comprado e restaurado, com uma nova companheira. Bishop escreveu aos amigos que as duas eram hostilizadas nas ruas, agredidas com pedradas nas janelas de casa e restos de lixo no jardim.
Bishop vendeu a casa de Ouro Preto e aceitou um convite para ensinar em Harvard. Um de seus primeiros cursos tinha o título de "Cartas: Leituras sobre Correspondências Pessoais, Famosas e Infames, do Século 16 ao Século 20". Ela era uma apaixonada por cartas, "essa forma de comunicação de agonizante". As dela ficam como depoimento definitivo de seu gênio.

O que há para ler: "Poemas de Elizabeth Bishop", coletânea lançada pela editora Companhia das Letras; "One Art" - coleção de cartas da poeta, pode ser encomendada na Livraria Cultura (av. Paulista, 2073, Conjunto Nacional, tel. 011/285-4033).

Texto Anterior: Poeta deu trégua à angústia em Petrópolis
Próximo Texto: Modelistas são estrelas ocultas da moda
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.