São Paulo, sábado, 11 de junho de 1994
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'É impossível repetir estética neo-realista'

DA REPORTAGEM LOCAL

Nos últimos cinco anos o romano Sandro Petraglia, 47, tem feito roteiros para todo tipo de cineasta.
Trabalhou com jovens como Gianni Amelio ("Ladrão de Crianças", prêmio especial do júri em Cannes) e veteranos como os irmãos Paolo e Vittorio Taviani ("Fiorille"); realistas como Marco Risi ("Mery per Sempre") e metafóricos como Nanni Moretti ("A Missa Acabou").
Antes de se tornar o mais requisitado roteirista do cinema italiano, Petraglia foi jornalista e crítico. Escreveu um livro sobre o cinema de Pasolini e realizou alguns documentários.
Nesta entrevista por telefone, de Roma, ele falou sobre a herança neo-realista e os novos caminhos do cinema italiano.(JGC)

Folha - O que acha do cinema italiano atual?
Petraglia - Nos últimos três ou quatro anos, há alguns sinais de retomada. Existem novos diretores, novos roteiristas, depois de um longo tempo em que não acontecia nada. Nosso cinema tinha se tornado muito medíocre.
Nesse período também, evidentemente, perdemos grandes diretores. Agora surge uma nova geração de diretores, que ainda estão fazendo seus primeiros filmes.
Folha - Essa retomada traz consigo uma recuperação dos princípios neo-realistas?
Petraglia - O neo-realismo propriamente é uma coisa que não se pode repetir. Era uma coisa muito particular, ligada a um país muito pobre e à necessidade de documentar a realidade da Itália depois da guerra, a reconstrução...
Vivemos uma realidade muito diversa hoje, e portanto não podemos simplesmente repetir o neo-realismo, mas estamos tentando voltar a falar de coisas verdadeiras, fazer um cinema verdadeiro. Esta é uma das tendências atuais, mas não há só ela.
Por exemplo, Nanni Moretti faz um cinema muito particular, que eu não definiria como realista –é muito mais livre, metafórico...
Folha - Mesmo ele tem na linguagem um elemento de proximidade com o neo-realismo que é a valorização dos "tempos mortos", a escassez de acontecimentos espetaculares...
Petraglia - Certo. Quando se tenta ser verdadeiro, procura-se não construir "plots" (tramas) como as do cinema americano. Nesse sentido, o cinema italiano tem uma grande tradição.
"Ladrão de Crianças", por exemplo, tem uma construção em que todo o "plot" acontece antes do filme. Nos três primeiros minutos do filme ficamos sabendo que há uma mãe que prostituía sua filha. Isso, que poderia ser um "plot", é dito logo no início, depois o filme conta uma outra coisa.
Desse ponto de vista, é certo que os autores procuram uma linguagem diversa do cinema hollywoodiano. Esta é uma característica européia, não só italiana.
Mas se você pensa em "Mary per Sempre", é um filme que tem uma construção muito clássica. É um filme realista, mas é também um filme de quem viu muito cinema americano. Porque os americanos, sobre a prisão, fizeram muitos filmes.
Folha - Há muita influência da televisão sobre a linguagem dos filmes italianos?
Petraglia - Não. Ao contrário do que ocorre no Brasil, a produção da televisão na Itália não é muito grande. Importamos muitos programas dos Estados Unidos e de outros países, incluindo Brasil.
Por sorte, não sinto muita influência da televisão na linguagem dos filmes. Mas a televisão é a principal financiadora do cinema, e isso às vezes traz problemas.
"Mary per Sempre", por exemplo, teve muita dificuldade de passar na televisão. Na verdade, não foi financiado pela televisão, porque não conseguimos interessar as emissoras pelo projeto, que era considerado demasiado violento.
Folha - Como é a sua relação com os diretores com que trabalha? Eles dão a idéia e o sr. a desenvolve?
Petraglia - Com cada um é diferente. Depende do diretor. No último filme dos irmãos Taviani, eles haviam escrito o argumento e eu depois escrevi o roteiro.
Em "A Missa Acabou", ao contrário, eu e Nanni Moretti concebemos juntos o argumento. Há casos, ainda, em que quem propõe a história é o produtor.
Folha - Qual é o sistema que lhe agrada mais?
Petraglia - Não tenho preferência. Se me apresentam uma história que não me julgo capaz de desenvolver, eu recuso.
Eu gosto é quando temos de início uma idéia pequena e, pouco a pouco, ela se torna maior. Como fizemos com "Ladrão de Crianças". Gianni Amelio e eu não tínhamos nenhuma idéia e começamos a conversar. Conversamos por alguns meses, e pouco a pouco o filme ganhou corpo.
Folha - Conhece alguma coisa do cinema brasileiro?
Petraglia - Conheço um pouco do Cinema Novo, Glauber Rocha, filmes que anos atrás chegavam aqui e passavam nos cineclubes. Nos últimos anos vi muito pouco.

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