São Paulo, segunda-feira, 13 de junho de 1994
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Tolerância

MARCELO BERABA

SÃO PAULO – Virou lugar-comum os candidatos a presidente reclamarem de que os jornais se preocupam apenas em relatar o que se convencionou chamar de picuinhas quando o país está em crise, a miséria aumenta etc.
Não sou maluco de fazer uma defesa irrestrita da imprensa. Mas não vejo como um jornalista fugir da obrigação de expor as mazelas das campanhas.
É picuinha mostrar que Lula usou indevidamente o carro de som de um sindicato, que FHC usou a estrutura do Senado, que Amin e Medeiros usaram carro e funcionário da Força Sindical?
Não só não é picuinha como é uma obrigação relatar. São crimes menores? Podem até ser, mas não cabe a nós jornalistas hierarquizá-los.
Há uma questão importantíssima por trás destas picuinhas. É a questão do respeito à lei. Todos os candidatos a presidente deveriam se proclamar campeões da legalidade. Porque é assim que se conquista a estabilidade política.
A reação negativa de todos eles a estas revelações aparentemente menores mas emblemáticas demonstra mais uma vez que não ultrapassamos o ciclo de tolerância que vem marcando o longo período da transição.
O argumento mais comum usado para justificar os pequenos delitos é o de que todo mundo age assim, de que isso faz parte da tradição da política brasileira.
As raízes do Collorgate estão na campanha eleitoral de 89, quando o país foi loteado e vendido. Um grupo de cidadãos enriqueceu extorquindo grana para a campanha do Collor.
Quando acabou a eleição, todos os partidos –todos, sem exceção– aprovaram as contas do PRN sem qualquer contestação.
Por que? Com certeza nenhum tinha cumprido as restrições que a lei impunha para as contribuições. Predominou a máxima da tolerância: não encho o seu saco, você não enche o meu.
Está provado que quem não respeita as pequenas regras não respeita a Constituição. Está provado que a atual legislação eleitoral, independetemente de seus defeitos, está sendo desrespeitada.
É obrigação dos candidatos respeitá-la. E da imprensa, revelar toda transgressão.

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