São Paulo, terça-feira, 14 de junho de 1994
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Genocídio

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Li em todos os jornais sobre a passagem de Fernando Henrique Cardoso e comitiva pelo interior do Nordeste. Vasculhei cada reportagem e não vi uma única menção fora ou nos palanques sobre mortalidade infantil –daí se vê como está indigente a sucessão presidencial. Tão indigente como as pessoas levadas com recursos públicos para assistir aos discursos.
Um detalhado levantamento da Igreja Católica constatou a explosão da mortalidade infantil este ano no Brasil –e, principalmente, no Nordeste, vítima de uma seca fabricada única e exclusivamente pela estupidez, corrupção e incompetência dos homens "públicos".
Num rasgo de sinceridade, o ministro da Saúde, Henrique Santillo, em contato ontem com esta coluna, referiu-se ao aumento da mortalidade como "genocídio". Corretíssimo. A palavra é essa mesma.
Foram divulgados oficialmente ontem os números antecipados pela Folha na semana passada sobre aumento de mortes de crianças. Apresentaram-se as causas. Uma delas é a falta de remédios nos postos de saúde para atacar doenças simples de serem curadas, como pneumonias e diarréia. Traduzindo: assassinato do poder público.
Não vou pedir, aqui, sensibilidade social do PFL –até porque muitos deles são beneficiários da miséria e da ignorância. Se o padrão educacional do nordestino evoluísse mais 20%, metade dos integrantes do palanque de FHC nessa viagem ao interior não seria eleita para nada.
Fernando Henrique Cardoso pode até ganhar essa eleição (a julgar pelos previsíveis efeitos políticos do Plano Real, o apoio dos fortes candidatos a governador e a influência do PFL em currais eleitorais, ele está com um pé no segundo turno), mas, se eleito, terá de realizar um amplo trabalho de recomposição de sua imagem –isso para voltar a parecer com o intelectual que passou a vida denunciando a crueldade das elites e oligarquias.
PS – Aliás, se aumentar mesmo o padrão educacional no Nordeste, principalmente no interior, um importantíssimo aliado de Lula também enfrentaria dificuldades: Miguel Arraes que, manipulando a imagem mística de "salvador dos pobres", ligou-se aos usineiros. Aliás, fez lobby para usineiros endividados no Banco do Brasil.

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