São Paulo, terça-feira, 14 de junho de 1994
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O sertão vai virar mar

Campanhas políticas sempre abrem espaço a todo tipo de populismo. Dos inexoráveis beijos em criancinhas às promessas inexequíveis, todos os candidatos em algum momento se deixam levar por um impulso eleitoreiro, proferindo insultos à inteligência do eleitor.
E foi assim que Fernando Henrique Cardoso prometeu que vai irrigar o sertão nordestino e Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que colocará todas as crianças do país na escola, para citar apenas dois exemplos recentes. É óbvio que nenhum dos dois vai fazer nem uma coisa nem outra. Não se trata de dizer que essas promessas sejam simplesmente irrealizáveis; sua execução, porém, é trabalho de vários anos, que transcende em muito a um mandato presidencial.
Declarações inoportunas de candidatos contudo ocorrem mesmo nas democracias mais avançadas do planeta –o atual presidente dos EUA, Bill Clinton, em sua campanha à Casa Branca, admitiu ter fumado maconha, mas jurou que não tragara. Esses deslizes devem por certo levar o eleitor a uma reflexão profunda sobre o grau de sinceridade do candidato, mas uma certa dose de populismo –infelizmente muito alta no Brasil– faz parte do processo democrático.
Existe um outro vício bem mais grave na prática política brasileira. Um tipo de conduta que, para além de ultrajar a inteligência do eleitor, assalta os bolsos do contribuinte. De fato, a fisiologia e o clientelismo causam muito mais danos à nação do que promessas vazias.
E candidatos mais organicamente ligados a esse modo de fazer política, por sua maior experiência em campanhas e posicionamento mais discreto nas pesquisas de intenção de voto, vêm escapando às críticas mais ácidas. Enquanto isso, dinheiro público acaba sendo usado em favor de candidaturas privadas. Para citar um único e escancarado exemplo: o programa do leite do governo de São Paulo, financiado por todos os contribuintes paulistas, acaba de virar bandeira eleitoral do candidato peemedebista ao Bandeirantes, Barros Munhoz.
É preciso, evidentemente, ressaltar as impropriedades e acintes pronunciados pelos candidatos, mas não se pode ignorar aqueles que se escondem atrás do silêncio da falta de idéias. Nada dizem, mas agem, nas sombras. Se os eleitores não estiverem muito atentos neste pleito, não só o sertão, como todo o Brasil, vai permanecer um mar –de lama.

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