São Paulo, terça-feira, 14 de junho de 1994
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O Estado sumiu

As duas chacinas ocorridas no último fim-de-semana na periferia de São Paulo, com um saldo de 18 mortos, colocaram mais uma vez em evidência um dos aspectos mais dramáticos e intoleráveis da omissão do Estado num setor em que a sua atuação seria imprescindível: a segurança pública.
Não basta, por certo, defender a simples colocação de uma polícia fortemente armada nas ruas. Casos recentes em que se verificou a participação, em graus variados, de membros da corporação policial em atos de barbárie despertaram em setores da opinião pública a desconfiança de que nem sempre a presença de homens fardados é garantia de defesa da lei e da ordem.
A julgar pela frequência com que massacres e chacinas têm eclodido, a lei e a ordem são conquistas da civilização humana tão escassas nos bairros pobres das grandes cidades brasileiras quanto nos mais desassistidos confins do sertão nordestino ou da selva amazônica.
Quando se fala da necessidade de uma maior justiça social no país, é preciso que se pense não apenas na distribuição de bens materiais e oportunidades, mas também no acesso igual de todos os indivíduos aos instrumentos legais que dão à vida em sociedade um mínimo de segurança e tranquilidade.
Se o Estado não deve ser visto como o único responsável pela distribuição de renda –atribuição que depende de outros agentes e, em última análise, de toda a sociedade–, a aplicação da lei é, necessariamente, um monopólio estatal.
Onde falta a lei do Estado –formulada democraticamente de acordo com o interesse dos cidadãos, graças a uma série de instrumentos aperfeiçoados ao longo da história dos povos–, prevalece a "lei" imposta pela força, seja ela a do crime organizado ou a dos "justiceiros".
Qualquer que seja o resultado das investigações sobre a autoria e a motivação das duas últimas chacinas, há um lugar reservado no banco dos réus para um Estado que abandona à própria sorte seus cidadãos mais miseráveis.

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