São Paulo, quarta-feira, 15 de junho de 1994
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Divina Providência

ALBERTO HELENA JR.

No exato momento em que Ricardo Gomes saiu pulando como saci numa perna só, no jogo contra El Salvador, veio-me a certeza de que ele estaria fora da Copa. De início, julguei ser o mesmo tornozelo que, miraculosamente, não se rompeu na partida anterior. Sim, porque as imagens pela TV daquele lance transmitem a sensação de que o tornozelo direito de Ricardo transformou-se num ângulo agudo, tendo como hastes a perna na vertical e o pé na horizontal.
Quem escapa ileso de um acidente desses parece protegido pelos anjos e orixás. Mas nem era o tornozelo, nem Ricardo estava tão protegido assim. Era distensão muscular na coxa direita. Impossível seguir adiante. E Ricardo ontem se despediu da seleção.
Com todo o respeito à dor que o jogador sente por perder esta chance de disputar um Mundial, eu diria que, se os anjos e os orixás não o protegeram, foi pensando em proteger a própria seleção. Afinal, Ricardo Gomes era a peça mais falha do sistema defensivo brasileiro. Não que se tratasse de um jogador sem recursos. Ao contrário: é um zagueiro de excelente porte físico e de fluente contato com a bola. Mas duro demais de cintura, sem o devido preparo físico, resultante de um joelho baleado, a cada investida nas costas de Leonardo, fosse dos reservas nos coletivos, ou nos amistosos, subia-me um frio pela espinha.
Lembro-me que há uns dez dias, quando Leonardo começava a ganhar a camisa de Branco, questionei Parreira sobre o problema da cobertura da lateral-esquerda. Parreira deu uma resposta arrevezada, depois desculpou-se e se justificou: "É que o pessoal pede o Leonardo, pede o Leonardo. Quando ele entra no time, pede cobertura pra ele, pô!"
Claro, pois se Branco é mais firme na marcação lá atrás do que Leonardo, muito mais ativo na frente, cabe ao treinador providenciar a cobertura adequada para o novo lateral. Ora, se na reserva de Ricardo Gomes há um zagueiro mais rápido e firme na cobertura, como, por exemplo, Márcio Santos, que se o escale, pombas!, como diria o velho Acácio.
Parreira, porém, não queria mexer em Ricardo Gomes, por respeito, amizade, lealdade, seja lá qual seja o virtuoso sentimento. Então, o destino, que, nas palavras do companheiro Marcos Augusto Gonçalves, é o mais prestimoso auxiliar-técnico do Brasil, tratou de resolver a questão. E o fez por completo: não só dispensou Ricardo Gomes da seleção como segredou ao ouvido de Parreira o nome certo para assumir a vaga aberta –Ronaldão, aquele crioulo de cerca de dois metros de altura, um perfeito limpa-trilhos e espanador das estrelas, dependendo de qual a altura em que a bola venha.
Rápido na cobertura do lateral-esquerdo, apesar do tamanho, para Ronaldo não há viagem perdida. E mais: cresce, se é possível usar-se essa expressão para o Ronaldão, à medida em que cresce a importância da disputa. Nas duas decisões mundiais do São Paulo, time que ele defendida antes de ir para o Japão, em meio a tantos cobras dos dois lados, a maior figura em campo foi esse mesmo Ronadão. Que mais se pode exigir de um zagueiro?
O diabo é que o destino, em seguida, cochilou, e Parreira anunciou sua dúvida: Aldair ou Márcio Santos para o lugar de Ricardo.
Acorda, destino, please!

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