São Paulo, sábado, 18 de junho de 1994
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Diretores celebram cinema em revista

SERGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Nos seus 42 anos de existência, a revista parisiense "Positif" talvez tenha abrigado mais textos e documentos de cineastas do que qualquer outra publicação do gênero. Ao chegar, este mês, ao nº 400, acrescentou ao seu acervo mais 65 depoimentos. Sua edição de julho (152 págs., 60 francos) é toda dedicada ao tema "o cinema visto pelos cineastas".
Na capa, um flagrante das filmagens de "Quando Passar a Tormenta" (Force of Arms), de Michael Curtiz. No índice, um escrete de redatores formado por Robert Altman, Theo Angelopoulos, Claude Chabrol, Joel e Ethan Coen, Clint Eastwood, Elia Kazan, Louis Malle, Alain Resnais, Mario Monicelli, Francesco Rosi, entre outros de igual ou menor fama.
Uns preferiram falar de filmes e cenas marcantes, outros de cineastas fundamentais, três ou quatro escolheram atores para homenagear. No cômputo geral, Fellini e Hitchcock foram os mais lembrados. Peter Greenaway adora "Roma". "A Estrada da Vida" é o filme favorito do iraniano Abbas Kiarostami e do polonês Krzysztof Kieslowski. "Um Corpo que Cai" (Vertigo) ensejou ensaios do francês Chris Marker e do esloveno Matjaz Klopcic. O de Marker é excelente.
Chabrol enaltece a carreira de Robert Aldrich. Eastwood passa em revista os diretores com os quais gostaria de ter filmado (Hawks, Ford, Capra, Wilder etc). Frears exalta Alexander Mackendrick, salientando que nos seus tempos de universitário "A Embriaguez do Sucesso" tinha o mesmo status de uma obra de Dizzy Gillespie e Thelonius Monk. Samuel Fuller quita seu débito com "O Delator", de John Ford. Philip Kaufman tira o chapéu para John Boorman. Os irmãos Taviani rememoram seus encontros com Pasolini. Robert Parrish conta histórias de William Wyler. Patrice Leconte revela por que não passa um dia sem pensar em Woody Allen. Roman Polanski confessa que nenhum filme o impressionou mais do que "O Condenado" (Odd Man Out), de Carol Reed. E Eric Rohmer explica por que a comédia que mais o divertiu até hoje foi "A General", de Buster Keaton.
Os dois brasileiros convocados, Carlos Diegues e Nelson Pereira dos Santos, ficaram, respectivamente, com a prata da casa ("Deus e o Diabo na Terra do Sol") e a prata inglesa (Nelson recorda a passagem do documentarista britânico John Grierson pelo Brasil, em 1958, não se esquecendo do encontro que ele teve com Garrincha, no Maracanã).
Angelopoulos e Claude Miller optaram por realçar algumas cenas memoráveis. O cineasta grego reavalia o impacto que lhe provocaram o rosto de Orson Welles em "A Marca da Maldade", as lágrimas de Jeanne Moreau no final de "A Noite", a dança de Henry Fonda e Cathy Downs em "Paixão dos Fortes", o rosto amoroso de Ingrid Bergman em "Interlúdio" e o assovio monótono de Peter Lorre em "M, o Vampiro de Dusseldorf". Miller, por sua vez, esboça uma antologia dos momentos mais inspirados de Ingmar Bergman, François Truffaut, Jacques Becker, Max Ophuls, entre outros.
Entre os que resolveram discorrer sobre atores –Luigi Comencini relembra Eduardo De Filippo, Roger Corman faz um perfil de Vincent Price, Arthur Penn analisa vários dos seus intérpretes–, dois se destacam: Robert Altman e Marcel Ophuls.
Para Altman, o ator é a parte vital de um filme. A contribuição de Robin Williams a "Aladdin", salienta ele, "nenhum diretor, escritor ou animador poderia suprir". Porque sabem usar os atores como fossem cores, pigmentos, Mike Leigh e Frears ocupam um nicho especial no olimpo particular de Altman.
Apesar de afeito a um gênero, o documentário, sem espaço para atores profissionais, Ophuls professa uma curiosa admiração por James Stewart, confessadamente herdada de seu pai, o grande Max Ophuls, para quem Stewart simbolizava o que a América possui de mais belo e nobre no plano das idéias e dos sentimentos: a generosidade, o "fair-play" e uma fé inabalável na justiça. Seu depoimento é uma celebração do ator: "Gênio do espetáculo, inimitável inventor da vida alheia, tão autenticamente criador, no melhor sentido da palavra, é um modelo de discrição e modéstia, de humor e misericórdia."

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