São Paulo, sábado, 18 de junho de 1994
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Beck reinventa a psicodelia para os anos 90

MARCEL PLASSE
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Vai ser difícil algum imprevisto tirar de Beck Hansen a condição de revelação do ano. O cantor, guitarrista e "freak" já é chamado de gênio pela imprensa americana. O álbum que causou tudo, "Mellow Gold", sai no Brasil na próxima semana.
Beck era um perdedor. "Sou um perdedor, baby, então, por que você não me mata", gravou na música "Loser".
A música e a cara de Beck surgiram para a América normal num clipe esquisito, apresentado por Thurston Moore, guru "alternativo" e guitarrista do Sonic Youth, na faixa "alternativa" da MTV.
"Loser" virou sensação. Como evitar? Além da letra inspirada, a música é absolutamente original, o primeiro rap folk da parada. Abre com uma "steel guitar" folk, ganha batida de rap, cítara psicodélica, coro gospel, apelo dance etc.
O "cantor folk que se enforcou com uma corda de violão" descrito em "Loser" ganhou a mídia. Virou um vencedor.
A ironia é perversa. Beck, há menos de um ano, não tinha onde cair morto, contratado por uma gravadora pequena até para os padrões das gravadoras pequenas. Entre as músicas que gravou quando era um "loser" de fato havia uma certa "MTV Makes Me Wants to Smoke Crack" (A MTV me Faz Querer Fumar Crack).
Hoje, a MTV o ama. Já está tocando o segundo vídeo, igualmente mortal. A música "Pay No Mind", um folk anasalado ao estilo Bob Dylan, conclama os ouvintes a mandarem o cantor passear, porque está engordando a conta bancária com o dinheiro de quem presta atenção em sua música.
Cada música é melhor que a outra. "F... in With My Head" é um folk psicodélico como não se via desde os anos 60, com um pouco de Monkees no mix e o balanço e a tecnologia dos 90 a seu favor.
As canções vêm sempre com base de violão e milhões de ruídos rastejando ao fundo –"Whiskeyclone, Hotel City 1997" parece ter sido gravada no pantanal da Louisiana pelos Animals, em 1967.
O ritmo que impera é o "mellow", o malemolente, como indica o título do álbum. Chapado é a palavra certa.
Beck é um cantor folk que tomou muito ácido na infância, possivelmente a partir do dia em que nasceu, no festival de Woodstock. Só isso explica um título como "Nightmare Hippy Girl", que, por sinal, é uma música tão alucinantemente boa quanto as demais.
Se pertencesse à outra geração, faria músicas de protesto. Mas ele não cresceu com Country Joe & The Fish, embora deva ter ouvido todos os seus discos. Suas letras são viagens apáticas, delírios.
Mas quando pega a guitarra elétrica: cuidado. É capaz de deixar o padrinho Thurston Moore morrendo de inveja. "Mutherf...er" tem mais mal contatos, microfonias e agonia que o Sonic Youth.
Prince também podia aprender uma coisa ou duas com "Beercan", que repete o truque da batida rap, cítara e violão folk e é ainda melhor que "Loser".
A psicodelia vive.

Disco: Mellow Gold
Artista: Beck
Gravadora: BMG
Preço: 18 URVs (o CD, em média)

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