São Paulo, segunda-feira, 20 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

É proibido perder

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – O presidente voltou a cobrar serviço de seus auxiliares. Deu o prazo de um mês para os preços caírem e a inflação baixar. É bastante vaga essa cobrança: a quem Itamar está cobrando? A ele mesmo? Ao mercado? Teve mais de um ano para fazer os preços baixarem e o máximo que conseguiu foi um plano que, até agora, fez exatamente o contrário.
O ministro Ricupero garante que em julho ainda haverá aquilo que o ex-ministro Marcílio Moreira chamava de "soluços" inflacionários. Mas, depois de julho, conforme se lerá em portarias e decretos publicados no "Diário Oficial da União", a inflação acabará e –ainda por decreto– seremos felizes como naquele antigo bolero cantado pelo Pedro Vargas.
Lembro um técnico de futebol de praia que havia em Copacabana, aí pelos anos 60. Era formado em direito e farmácia, mistura complicadíssima mesmo para um técnico de futebol de praia ou gramado. O time dele, obviamente, era saco de pancada, vinha gente de Vaz Lobo, de Belfort Roxo e enfiava goleada nos rapazes de Copacabana que haviam nascido naquelas areias. Até que o técnico se encheu e, fazendo uso de suas habilitações acadêmicas (farmácia e direito), baixou uma lei que, além de lei, era também um remédio: "É proibido perder!"
Na sede do time –os fundos de um botequim na rua Viveiros de Castro– foram colocados cartazes com a ordem. Levaram uma faixa para a praia pintada por um adepto da velha ortografia: "É prohibido perder!". Ninguém reparou, e se reparou não reclamou. Até que aquele agá a mais dava uma convicção suplementar à coisa proibida; não é à toa que Bahia ainda tem agá e o Piauí perdeu o dele.
Por falar em perder, o time perdeu feio naquela tarde. Mas o técnico ficou mais prestigiado. A culpa era dos pernas-de-pau que jogaram, não dele, que sabiamente dera a dica de vitória.
Itamar não é formado em direito nem em farmácia –pelo menos não tenho notícia dessas façanhas. Ao deixar o governo, pode aspirar à direção técnica de um time da ilha do Governador que está desfalcado: é o Cacuia Futebol e Bingo, com sede no Cacuia, ao lado do cemitério homônimo.

Texto Anterior: Reinventar
Próximo Texto: A última obsessão
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.