São Paulo, terça-feira, 21 de junho de 1994
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"Tenho medo de escuro", confessa o ator

ROD LURIE
INTERNATIONAL PRESS SYNDICATE

Jack Nicholson é Jack Nicholson. Não importa que seu novo filme, "Wolf", tenha tido uma recepção morna da crítica.
Não importa que Nicholson tenha incorrido em alguns problemas com a lei nos últimos tempos, por ter investido com um taco de golfe contra um carro que fechou o seu, na rua. Não importa que ele seja um dos homens mais intimidantes de Hollywood.
Quando Jack Nicholson se dispõe a falar, nem que seja apenas por meia hora, você entra no carro, vai a qualquer lugar que ele escolher, liga o gravador e começa a fazer perguntas.
Nicholson resolveu falar sobre seu novo filme, "Wolf", por razões pouco evidentes. No passado ele preferiu manter-se recluso, mesmo quando se tratava de filmes como "Um Estranho no Ninho" e "Questão de Honra".
Neste filme, dirigido por Mike Nichols (o terceiro que ele faz com Jack), Nicholson representa um editor literário que é mordido por um lobo. Sua vida desvia em duas direções. Por um lado ele inicia um romance com a filha de um bilionário, representada por Michelle Pfeiffer. Por outro, se transforma –surpresa!– num lobisomem brutal, comedor de homens.
A entrevista com Jack Nicholson foi feita no Four Seasons Hotel, em Beverly Hills. Como ele costuma acordar tarde, pediu que marcássemos para as 11h00.
Nicholson estava elegante, de paletó esporte azul, camisa vermelha e óculos de sol de tom vermelho. Enquanto tomava um copo de água, percebi que ele estava bem mais magro do que eu o vira em filmes recentes.
Nicholson parecia estar de bom humor, disposto a falar sobre qualquer assunto. Nesta entrevista ele fez uma surpreendente confissão sobre seus temores e demônios pessoais e concluiu dando a entender que talvez abra um processo dentro em breve.

Pergunta - Quero fazer esta pergunta logo e tirá-la do caminho. Agora, em retrospectiva, como você se sente em relação ao incidente no qual atacou outro motorista com seu taco de golfe?
Nicholson - Foi um incidente vergonhoso da minha parte. Tenho que concordar com o tribunal nesse ponto. Não posso falar sobre o caso em si, por causa de restrições legais, mas o tribunal tinha razão. Não importa quais meus motivos, eu não deveria ameaçar pessoas. Sou muito veemente na minha oposição à violência.
Pergunta - Você se descreveria como uma pessoa contida?
Nicholson - Quando eu era garoto era um cara durão. Precisamos repelir a violência, começando por nós mesmos. Foi uma coisa vergonhosa. Mas também acho que as pessoas não deveriam dar fechadas em outras nas ruas. Que tal dizer: por que todo mundo não começa a dirigir melhor? (ri).
Pergunta - Você é uma das pessoas que menos se dispõem a dar entrevistas. Por que você está dando esta, agora? Você está muito confiante ou preocupado com seu novo filme, "Wolf"?
Nicholson - Este processo de entrevistas transformou-se num campo minado para as pessoas. O termo "no comment" já não te impede de cair no desagrado do público americano.
Pergunta - Então por que você está promovendo "Wolf"?
Nicholson - Porque achei que o filme talvez precisasse, não necessariamente de apoio meu, mas que eu explicasse algumas coisinhas sobre como se deve olhá-lo, para vê-lo sob a ótica melhor. (começa a rir). E também porque com isso eu talvez ganhe mais dinheiro.
Pergunta - Em "Wolf" você representa um editor literário que é mordido por um lobo e vira lobisomem. Que monstros te assustavam quando você era criança?
Nicholson - Havia um programa de rádio chamado "Lights Out" (Luzes Apagadas). Aquele programa me botava medo. Lembro que eles tinham uma parte sobre ratos que desciam do barco de bananas. Eu não sabia, mas o programa roubava idéias de Edgar Allan Poe, que criou o gênero.
Pergunta - E hoje, o que te dá medo?
Nicholson - (pausa longa) Tenho uma resposta, mas...
Pergunta - O que é?
Nicholson - (pausa longa). Tá bom. (outra longa pausa para reflexão). Tenho medo do escuro.
Pergunta - Você tem medo do escuro hoje? Enquanto adulto?
Nicholson - É um medo que aparece intermitentemente.
Pergunta - O que os psicólogos dizem disso?
Nicholson - Eles acham estranho, porque a idéia é que o medo do escuro significa medo do teu próprio subconsciente. Vivo tentando romper a membrana do meu inconsciente, para fazê-lo funcionar no meu trabalho. (pausa)
Eu moro sozinho, sabe. Às vezes sinto medo à noite. Vejo coisas nas sombras.
Pergunta - O que você acha que são essas coisas –fantasmas, espíritos?
Nicholson - Eu não tenho grande tendência metafísica. Sabe o que mais realmente me assustou? "Tubarão". Esse não é um monstro comum –é um monstrão.
Pergunta - Você já trabalhou várias vezes com o diretor Mike Nichols, não apenas em "Wolf" mas também em "Ânsia de Amar" e "The Fortune". Qual é a característica que distingue Nichols, enquanto diretor?
Nicholson - Acho que "Wolf" é muito diferente do que ele já fez antes. É isso que eu mais admiro no que ele fez neste filme.
Você espera que quando "Wolf" entrar no pique, todo mundo ache a história viável. Na realidade esse é um aspecto de se fazer uma produção teatral bem-sucedida –a suspensão do acreditar. Mike faz isso sem incutir choques.
Pergunta - Você deve ter muitos roteiros à disposição. Por que você optou por uma história sobre um lobisomem?
Nicholson - O roteirista, Jim Harrison, é um velho amigo meu, de quem gosto muito. Eu sempre me interessei pelo trabalho dele. Ele me trouxe a história.
O fato de sermos velhos amigos não significava que íamos fazer o filme. Mas era uma idéia muito desafiadora. Eu vejo esta área de atuação como uma área clássica para os atores americanos.
Pergunta - O que exatamente você quer dizer com isso?
Nicholson - Quando eu represento o diabo (em "As Bruxas de Eastwick") ou o Coringa (em "Batman"), o papel é maior do que a vida.
Sempre teremos dificuldade em encontrar a moda que tornaria Ibsen, Shaw ou outros do tipo deles pertinentes, no sentido clássico.
Os papéis clássicos para atores americanos são esses que mencionei. Sempre pensei que um dia eu gostaria de representar todos eles.
Pergunta - Houve uma época em sua vida quando você era a própria definição do ator que se esforçava para dar certo. Você sente saudades daquela época?
Nicholson - Quando você é um ator que está se esforçando para se afirmar, sempre passa por um certo desespero. Essa é a época mais perigosa para um ator, quando você tem que ponderar que poderia dar certo fazendo várias outras coisas na vida.
Basicamente eu me dispus a arriscar meus vinte e tantos anos sendo ator, num momento em que não estava dando muito certo como ator. Foi um grande risco –eu arrisquei minha vida.
Pergunta - O primeiro filme em que me lembro de te ver foi "A Pequena Loja de Horrores".
Nicholson - Recentemente eu assisti esse filme de novo, no American Film Institute. "Pequena Loja" parece uma paródia.
Sabe, naquela época levava três dias para se fazer um programa de televisão de meia hora de duração. Roger Corman quis provar que era capaz de filmar um filme inteiro, de tempo normal, em apenas dois dias. Por isso ele filmou a maior parte de "A Pequena Loja de Horrores" em dois dias.
Pergunta - Como é ser você? Em todo lugar onde você vai, é reconhecido...
Nicholson - Se me virem. Sou um sujeito muito pragmático. Se você se sente bem com teu próprio ego e se autovaloriza, não precisa de atenção constante.
O anonimato é uma vantagem tremenda na vida. Minha vida é truncada. Não posso fazer tudo exatemente como eu faria se seguisse minha própria natureza.
Pergunta - Dê um exemplo do que você não pode fazer.
Nicholson - Não posso dar um autógrafo à primeira garotinha de três anos que me pede um autógrafo numa partida de beisebol.
Não posso, porque se der, ninguém mais naquela fileira vai conseguir assistir à partida.
Pergunta - Outro aspecto interessante de sua fama é que todo mundo parece conseguir fazer uma imitação de você.
Nicholson - Robin Williams sempre foi fantástico comigo. Sou muito grato por sua abordagem engraçada a tudo que sou, em "Aladim". (fica sério)
Talvez eu venha a processar a Disney por causa disso. Acho que há um cara que faz comerciais em "voice-over", usando minha voz.
Estou interessado em saber se dá para tirar um processo disso. Não é uma imitação exata.

Tradução de Clara Allain

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