São Paulo, terça-feira, 21 de junho de 1994
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Nanni Moretti enfrenta decadência do cinema e da política italiana

NATALIA ASPESI
DA REDAÇÃO

Considerado o grande expoente do atual cinema italiano, o diretor Nanni Moretti ("Palombella Rossa", "La Messa è Finita") ganhou no último festival de Cannes o prêmio de melhor diretor por "Caro Diário".
Seu último trabalho foi eleito também melhor filme italiano da temporada 93/94 e ganhou o prêmio David de Donatello, o Oscar do país, na última sexta-feira.
Conseguiu assim dar novo fôlego e mais expectativa de vida a um cinema em franca decadência e que tem se mostrado imune a todas as iniciativas que visem sua recuperação.
Nesta entrevista ao "La Repubblica", Moretti explica as razões do sucesso de seu novo filme e de sua insatisfação com a atual situação política italiana.

Pergunta - Você é um daqueles que dizem que o importante é participar e não vencer?
Resposta - Se falamos de esporte, devo dizer que só se deve participar para vencer. Senão, é melhor ficar em casa.
Mas levar um filme para um festival tem outras finalidades, e eu já as tinha alcançado: vendi "Caro Diário" para todo lugar, mais que meus filmes anteriores, e por isso estou obviamente feliz.
Pergunta - A imprensa francesa dedicou a seu filme uma quantidade de artigos entusiastas superior inclusive ao principal filme deles em competição, "A Rainha Margot".
O que levou "Caro Diário" a ser o filme mais elogiado e você, o diretor mais venerado?
Resposta - Talvez a minha liberdade de narrativa. Mesmo em filmes bem-sucedidos se nota frequentemente uma convenção da história, um cuidado preciso com a narrativa.
O meu filme começa de uma maneira irresponsável, com uma viagem errante e sem finalidade em uma motocicleta. Acredito ainda que tenha agradado a minha maneira leve de falar sobre um problema grave que é a doença.
Pergunta - Não seria também porque o cinema italiano continua a ter o seu fascínio e não se contenta com a sua decadência?
Não seria porque a Itália passa por um período de mudanças políticas que a torna exótica em relação ao resto da Europa?
Resposta - A imprensa estrangeira me bombardeou de perguntas sobre a situação política italiana, que, se parece desconcertante para eles, imagine para mim.
Em Cannes, por exemplo, me tocou muito uma foto que apareceu em todos os jornais italianos: "Berlusconi aperta a mão de Napolitano". Mas que notícia é esta? Que significado tem? Que nos queremos todos bem?
Pergunta - Você poderia se dedicar à política
Resposta - Não tenho absolutamente nenhum talento para a política. O empenho do cineasta deve ser para fazer bons filmes, não para usá-los como uma arma, como um instrumento de propaganda.
É perigoso pegar a estrada dos filmes didáticos, que se contentam com um argumento ideológico, porque assim podem se distanciar do espectador.
Pergunta - A curiosidade do estrangeiro em relação à Itália da Segunda República o chateia?
Resposta - O fato é que sou o primeiro a não conseguir falar com serenidade daquilo que aconteceu.
Não porque a direita venceu, o que foi uma vontade legítima do povo italiano, mas porque não aceito que o chefe de governo (Silvio Berlusconi) seja o homem mais potente nas coisas que amamos: a televisão e o futebol.
Talvez por isso ele fale com frequência de público e não de país. Pela primeira vez na Itália, depois de decênios, somos governados por um regime de serviço ao culto da personalidade.
Fico humilhado em saber que a esquerda tenha ficado olhando um só homem, alheio a qualquer regra, chegar ao poder com um séquito improvisado que não nascia de um movimento das massas.
Pergunta - Para não ficarmos melancólicos, voltemos ao cinema. Porque Clint Eastwood, ator e diretor norte-americano de grande sucesso, deveria amar "Caro Diário"?
Resposta - Eu também me pergunto isto. Talvez pela lei do contraste, porque é o oposto dos seus. Mas também porque ele também já fez filmes como diretor independente, sem o apoio dos grandes capitais.

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