São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 1994
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Rosi expõe Itália dividida em 'Três Irmãos'

FEDERICO MENGOZZI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Excesso de indignação e talento. Esse é o mal do napolitano Francesco Rosi, 71, diretor de "O Bandido Giuliano", "Le Mani sulla Cittá", "O Caso Mattei" e outros clássicos do cinema de indagação política e social.
Na estante de seu apartamento romano há um Urso de Prata de direção, um Leão de Ouro e uma Palma de Ouro, mas Rosi encontra dificuldades para dirigir.
"Diário Napolitano" (1992), mix de fatos e reminiscências realizado para a televisão, é seu último filme, diz em entrevista exclusiva à Folha.
No momento, Rosi está empenhado na preparação da adaptação de "La Tregua", de Primo Levi, sobre a volta à vida depois da prisão nos campos de concentração nazistas. "Mas ainda é cedo para falar", diz.
Rosi se surpreende ao saber que "Três Irmãos" está saindo em vídeo no Brasil e chega a oferecer "Diário Napolitano" para alguma distribuidora brasileira.
Enquanto as propostas não chegam, fala de "Três Irmãos" e procura driblar os problemas –leia-se hegemonia norte-americana– que fizeram do cinema italiano uma pálida imagem daquele cinema que, um dia, cobriu o alfabeto de grandes cineastas, de Antonioni a Zurlini.

Folha - Qual a posição que "Três Irmãos" ocupa em sua obra?
Francesco Rosi - É um filme que procura testemunhar, como muitos outros filmes meus, a realidade de meu país, aquilo que acontecia naqueles anos –início da década de 80. Eram os tempos do terrorismo.
"Três Irmãos" é um dos primeiros filmes, se não o primeiro, que enfrenta, ainda que de maneira lateral, transversal, o problema do terrorismo na Itália.
Eu e Tonino Guerra, meu colaborador no argumento e roteiro, inventamos uma história que evidenciasse muitos dos problemas de então, como a divisão, a separação, entre a Itália do sul e a Itália do norte.
Muitos saíam do sul para trabalhar no norte e deixavam o seu local de origem, as terras, o trabalho agrícola, com a esperança de encontrar, através do trabalho na indústria, uma vida melhor.
Folha - Essas duas Itálias continuam a existir?
Rosi - Não. Neste momento se repensa tudo isso. Mas naqueles anos, ou melhor, desde os anos 50, quando começou a migração de massa do sul para o norte, a passagem do trabalho agrícola para o trabalho industrial, em razão de um política feita para incrementar a indústria no norte, era um problema sério.
Tudo isso empobreceu o sul e tirou também a possibilidade de criar um pequeno empresariado, que é o que falta na região. Em relação ao norte, existem poucas indústrias.
Folha - "Três Irmãos" é uma tentativa de sintetizar esse quadro?
Rosi - Quis fazer um filme que mostrasse aquelas famílias que se separavam porque os filhos iam viver no norte.
É a história de uma família com três filhos: um, juiz em Roma; outro, operário especializado em Turim; e o terceiro, educador num instituto para menores infratores em Nápoles.
São, digamos, três escolhas exemplares para representar um pouco todos os problemas da Itália daquele momento.
Folha - Se o senhor fizesse o mesmo filme nos anos 90, como seria?
Rosi - Os problemas são um pouco diferentes, mas ainda hoje vivem na realidade italiana e em parte estão, na origem das questões atuais.
Tanto o terrorismo quanto o abandono do sul para procurar trabalho na indústria do norte criaram situações tão graves que, mesmo hoje, vivemos as consequências negativas.
Folha - O conto de Andrei Platonov serviu apenas como ponto de partida?
Rosi - Sim. No conto de Platonov, são sete irmãos que se reúnem por ocasião da morte da mãe. Deixam suas atividades e os lugares nos quais vivem, ficam juntos uma noite e revêem a sua vida.
"Três Irmãos" recria um contexto semelhante, mas depois o argumento é todo original. Sou ligado muito a esse filme. Na verdade, sou ligado a todos os meus filmes. Não fiz muitos, só 16. Cada um é um pedaço da minha vida.
Folha - O seu cinema continua político?
Rosi - Fiz muitos filmes sobre a realidade social italiana e continuei a fazê-los. Meu último filme para o cinema foi "Armadilhas do Poder", sobre a realidade italiana e norte-americana.
É um filme que estabelece as relações entre a máfia, a "Cosa Nostra" americana, e a máfia siciliana, no qual se fala do problema internacional do narcotráfico.
Folha - O governo Berlusconi pode levar a Itália ao caminho do fascismo?
Rosi - Não levará. O fato de existir no governo ministros que provenham do Movimento Social Italiano não significa que a Itália se tornará fascista.
A Itália é feita de muita gente que está na oposição. Deve-se fazer uma oposição vigilante....
Folha - Por que o sr., que já venceu em Cannes e Veneza, encontra dificuldades para filmar?
Rosi - Isso não significa nada. É uma questão de possibilidades produtivas, de financiamento. Depende também dos filmes que se escolhe para fazer. Hoje, não é muito fácil filmar na Europa.
Folha - A TV lhe interessa?
Rosi - Há dois anos fiz um filme para a televisão, mas também para o cinema. É "Diário Napolitano", sobre a Nápoles de hoje.
Foi exibido na Itália e em vários festivais. Agora mesmo, o filme foi transmitido na França e Alemanha, junto com "Le Mani sulla Città".
É o meu último filme, uma obra diferente de tudo que fiz, no qual estabeleço a relação pessoal com a minha cidade de Nápoles. Participo também como ator.
Folha - Quando o sr. começa a filmar "La Tregua", inspirado no livro de Primo Levi?
Rosi - É um projeto no qual estou trabalhando mas ainda não posso dar notícias definitivas.

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