São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 1994
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Exposição 'Poéticas Paulistanas' traz nova geração de artistas

CARLOS UCHÔA FAGUNDES JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

São Paulo tem mais um bom endereço para as artes. O Espaço Cultural Citibank abre hoje expondo três pintoras das novas gerações: Marina Saleme, Gabriella de Castro e Vera Martins.
A curadoria ficou a cargo de Maria Izabel Branco Ribeiro, Marcelo Araújo e Marcos Moraes, num projeto que terá mais quatro módulos, todos com artistas jovens.
O espaço garante grande circulação de público, mas é, ao mesmo tempo, um desafio às obras, que exigiriam um olhar menos apressado, e uma circunstância expositiva com menos interferências. Será que a arte contemporânea pode ser realmente vista no corre-corre de uma passagem, no coração da metrópole capitalista?
As artistas
Com um time de primeira, a mostra afasta dúvidas, falando sério sobre um assunto difícil: a pintura hoje.
Marina Saleme é a mais experiente das três artistas. Participando, desde o fim dos anos 80, de boas mostras no Brasil e no exterior, vem desenvolvendo um dos mais sólidos e consequentes trabalhos de pintura de sua geração, como pouquíssimos artistas.
Em pintura não se engana; ela requer tempo e dedicação incondicional para amadurecer, criando suas questões no interior da fatura, sem preciosismos ou truques.
Saleme está na melhor forma, propondo um projeto difícil, envolvendo as relações entre a pulsação do estrato cromático e a respiração do traço do desenho, impossível sem um impecável nível de pintura.
Seu desenho não é desígnio no sentido de dar estrutura à trama pictórica. Também não trata da pura respiração do "color-field", com um campo indiferenciado de cor que toma o espaço à frente do quadro, nem da cor que desmente e rearticula o desenho, como em Matisse, mas de uma relação peculiar.
Saleme faz pulsar ao mesmo tempo seu desenho e o campo cromático, sem que um delimite ou enforme o outro. Um e outro, seja pelo traço, ou pela pincelada, fazem perceber qualidades espaciais multiplicadas, estruturando-se mutuamente em impensáveis inversões recessivas e planares.
Seus trabalhos vermelhos levam isto a extremo, fazendo grafismos surgirem como expansões cromáticas, espaços dentro do espaço, criando a paradoxal explosão da diferença do indiferenciado, no todo.
Este é o caráter ético da pintura: a escolha a cada passo, o risco. Cada ação pictórica visa o todo, a totalidade do visível; impossível falsear. A pintura está toda no agora.
Gabriella de Castro também segue a trilha difícil da pintura e tem garantido seus achados desde que ganhou o prêmio no Salão Paulista de 1989.
Ela também desafia a estruturação do campo pictórico, mas abandona, nestes trabalhos recentes, todo recurso ao desenho ou à pulsação expansiva da cor. Trabalha com o controle muito verdadeiro da fatura, criando e estruturando especialidades pela trama de estratos de cera e óleo, intercalando brancos luminosos e brunos sombrios em camadas de densidades diferentes.
Nessa trama se cria um espaço não hierarquizado, mas com profundidades e qualidades táteis variáveis, que fazem o olhar escorregar de uma região à outra. Num percurso similar ao da luz, a pintura se estrutura pelo compasso dessas passagens.
Pelo rigor que se propõem, os trabalhos de Castro têm raiz na melhor linhagem da pintura paulista, de Sérgio Sister a Paulo Pasta.
Vera Martins, com uma incursão mais recente no circuito, explora o campo pictórico de modo externo, incidindo sobre o próprio suporte.
Com uma paleta rebaixada onde predominam os terras, usando pigmentos puros e relevos na lona, ela investiga a duplicidade óptica e tátil em jogo com as expansões (para dentro ou para fora) ocasionadas pela própria cor.
Relevos ou rebaixos feitos pela prensagem da tela atestam ou contradizem as qualidades visuais criadas pelo estrato pictórico.
Por aí surge a tensão ou ambiguidade entre real e virtual, que acaba por esclarecer algumas características inelutáveis da pintura.
A qualidade da mostra desculpa senões. O circuito de arte na cidade se enriqueça na medida em que a iniciativa se torne duradoura, garantindo a confiabilidade do novo endereço cultural.

Exposição: Poéticas Paulistanas - Módulo I
Onde: Espaço Cultural Citibank (av. Paulista, 1111, Jardins, S. Paulo)
Quando: Até 17 de julho. De seg. a sexta, 10h às 19h. Sáb. e dom., 10h às 16h. Visitas Monitoradas tel. (011) 887-9672.

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