São Paulo, quinta-feira, 23 de junho de 1994
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Itália enfrenta versão maquiada do fascismo

MARCO CHIARETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

A atual Constituição italiana proíbe expressamente a formação de partidos fascistas ou de qualquer movimento ligado às idéias fascistas.
O antifascismo é consagrado pela lei. Por isso, Silvio Berlusconi, o atual presidente do Conselho dos Ministros, principal cargo executivo do país, precisa negar a todo o momento a filiação fascista de seus aliados da AN (Aliança Nacional).
Na semana passada, por exemplo, Berlusconi disse na Alemanha –outro país no qual os fantasmas do passado assutam muita gente– que era insuportável que o nacionalismo voltasse à cena européia. Um dos pilares do fascismo sempre foi a defesa da idéia de Nação.
O primeiro-ministro italiano disse que em seu "governo não há neofascistas". Há pelo menos três.
Gianfranco Fini, o líder da AN, não gosta de ser chamado de fascista ou neofascista. Prefere "pós-fascista". Para Fini, Mussolini foi o maior estadista do século.
Palavrão
O fascismo italiano do pós-Guerra viveu fases diferentes. Até os anos 60, pelo menos, a lembrança dos desmandos da ditadura mussoliniana, da derrota na guerra e da guerra civil que dividiu o país, a partir da criação da República de Saló, fez do fascismo uma espécie de anátema, de palavrão.
Os críticos "à direita" do regime partidário do pós-Guerra, que durante quase 40 anos foi totalmente controlado pelos democratas-cristãos italianos, tinham de escolher outros caminhos.
A partir dos anos 60, as fissuras na DC começaram a crescer e o panorama político do país passou a admitir uma oposição de direita.
Mesmo assim, os neofascistas, que se haviam agrupado no MSI (Movimento Social Italiano), não tiveram nenhuma representatividade política até a crise do sistema multipartidário, nos anos 80.
A direita adquiriu nova face. Uma delas cresceu à sombra das Ligas, os grupos políticos ultra-regionalistas, muito fortes no norte do país. Outra reagrupou-se em torno do MSI.
Pós-Guerra Fria
A crise do comunismo, a queda do Muro de Berlim, em 1989, o enterro da Guerra Fria e da bipolaridade EUA-Rússia forçaram uma mudança na política italiana.
Em 1993, finalmente, a chamada Primeira República começou a acabar, depois de os juízes das "Mãos Limpas" mostrarem, sem sombra de dúvida, que a classe política estava corrompida quase totalmente e que as relações entre a DC e a Máfia eram muitas para serem postas de lado.
Sem o "perigo vermelho", para que manter a corrupção?
O pós-fascismo nasceu aí. Com a crise generalizada, os partidos à direita aproveitaram para "maquiar-se", entre eles os "missinos" (de MSI). Acabaram de novo no poder, 50 anos depois de terem sido escorraçados.
Já há alguns anos, políticos mais jovens ligados ao MSI, haviam conseguido votação expressiva em redutos no sul da Itália.
Em família
Um desses expoentes do novo fascismo é a neta do ditador, Alessandra Mussolini.
Fini representa a ala mais moderna do partido. O uso mesmo da expressão "pós" denota este desejo de modernização.
A AN insiste nas diferenças entre fascistas e nazistas. Sabe bem que a memória do Holocausto é muito mais difícil de ser apagada.
Lembram constantemente que um dos aliados dos aliados na Segunda Guerra Mundial era outro ditador, Stálin, ele mesmo responsável por milhões de mortes. Esquecem convenientemente o espírito antidemocrático do regime fascista. (Marco Chiaretti)

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