São Paulo, segunda-feira, 27 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cannes premia filmes que "disfarçam" o produto

NELSON BLECHER
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

A publicidade tem cada vez menos cara de publicidade. O estratagema de disfarçar o produto em roteiros envolventes foi a marca registrada dos comerciais de TV exibidos no 41º Festival Internacional do Filme Publicitário de Cannes (sul da França).
Os dois Grandes Prêmios do certame, encerrado anteontem, ocultam produtos ou marcas dos anunciantes, para justamente revitalizar o poder de atração dos filmes.
Exemplo da Chrysler
Para demonstrar a versatilidade de um jipe em terrenos inóspitos, por exemplo, a agência norte americana Bozell valeu-se da ajuda de efeitos especiais e fez o veículo deslizar debaixo da neve numa estrada.
O consumidor descobre que se trata do Cherokee, um modelo da Chrysler, ao final dos 30 segundos. O comercial ganhou o prêmio máximo concedido pelo júri oficial.
Também o Grande Prêmio de imprensa foi conferido a um comercial cujo anunciante, a Nike, somente é identificado graças à assinatura do logotipo.
Nesse filme, os personagens de capa de duas revistas esportivas à venda numa livraria ganham animação e disputam uma partida de tênis, observados por uma modelo estampada na revista feminina.
O festival deste ano foi dos norte-americanos, que levaram para casa, além do GP, 30 leões (estatueta símbolo do festival, entregue aos ganhadores).
Os britânicos ocuparam a segunda posição no ranking de Cannes com 21 leões, representados pelo comercial de cerveja de uma campanha legendária da marca John Smith's.
Dois pingins –qualquer semelhança com os da Antarctica é mera coincidência– tentam distrair com sapateado um homem que sorve sua cerveja tranqilamente ajeitado numa poltrona. São dispensados em seguida.
Antes, os comerciais tentavam seduzir o consumidor de forma explícita. Atualmente, trazem embutidos nos roteiros os conceitos pelos quais os anunciantes querem ser identificados.
É este o caso de um filme criado para a Pepsi pela agência BBDO que evoca o show de Woodstock 25 anos depois, agora visto pela "nova geração". Entram em cena cinquentões barrigudos, o que dá ao filme um toque de ironia.
Arma idêntica é utilizada por uma inexpressiva marca de refrigerante, RC, que pega carona na guerra das colas.
Durante um surrealista concurso, consumidores são pescados no mar com latas vazias de Coca e de Pepsi, usadas como isca. Em seguida, são exibidos num varal.
Humor para valer fazem os publicitários noruegueses que, neste festival, conquistaram a quarta colocação no ranking, ao lado dos brasileiros –oito leões cada.
Tome-se como exemplo do veio soberbamente explorado pelos nórdicos mensagem de uma marca de vitamina. Um hippie tenta levantar da cama, dedilha um violão e volta a dormir. Simples. Mensagem vendida em 30 segundos.
Era inevitável que alguns "hits" de 1993 retornassem. A seqência da campanha de animação gráfica da Nissin –na qual homenzinhos são perseguidos por animais pré-históricos– foi bem recebida pelo público especializado e ganhou leões de ouro.
O júri de Cannes foi inflexível em relação a comerciais feitos sob medida para ganhar prêmio. Desta vez, foram concedidos apenas 22 leões de ouro –a mais baixa distribuição dos últimos dez anos.
Os EUA abiscoitaram sete. Além desses, foram entregues 40 de prata e 57 de bronze. O júri presidido pelo inglês John Hegarty agiu com sobriedade e, dessa forma, parece ter resgatado a credibilidade do festival, ameaçada pela ausência de alguns grandes nomes da propaganda mundial.

Texto Anterior: A franquia é uma festa
Próximo Texto: Cervejas vencem com humor
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.