São Paulo, segunda-feira, 27 de junho de 1994
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Troca por real pode criar 'desapontamento'

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

"Pode haver um certo desapontamento em relação ao volume de moeda que eles vão trocar", diz o presidente do Unibanco, Tomas Zinner, preocupado com a reação da "classe de poder aquisitivo mais baixo" à primeira troca de moeda que não será um mero corte de zeros.
A insegurança pode levar pequenos investidores para o dólar paralelo, mas não haverá um movimento especulativo. "O que se chama de especulação é quando grandes especuladores, grandes detentores de patrimônio e de recursos entram no mercado. E isso não vai acontecer."
Zinner imagina um cenário de acomodação gradual. Com o sucesso do plano, os prazos das aplicações no mercado financeiro serão naturalmente alongados. O que não significa que o Banco Central não intervirá.
Casado, economista com mestrado em Chicago, 56 anos e há 26 anos no grupo, Zinner aposta que não haverá contingenciamento de crédito: "Não será preciso."
A seguir os principais trechos da entrevista:

Folha - Como o Unibanco se preparou para a troca da moeda?
Tomas Zinner - Como nos outros planos, o banco forma uma equipe interna. São 150 pessoas envolvidas na área de sistemas, 70 estão trabalhando com previsão, distribuição e controle do numerário. Durante a conversão da moeda, estarão em atividade 12 mil funcionários. Nas agências, esperamos que tudo corra bem. É díficil prever a reação das pessoas à troca da moeda.
Folha - Quanto o Unibanco pediu ao BC em reais?
Zinner - Foram US$ 100 milhões. Deste total, 15% em moedas metálicas. Nós fizemos uma estimativa, agência por agência, de quantos clientes a mais vamos atender (a projeção, que faz parte do total pedido, é de 10%). Esperamos ter acertado.
Folha - Como estão sendo feitas as mudanças nos programa de computador?
Zinner - Esta equipe dos computadores já está trabalhando há dois meses. Agora, estamos dependendo da taxa de conversão, que vai ser anunciada no dia 29.
Folha - Esta é a primeira vez que a troca não se resume a um corte de zeros...
Zinner - Este é um ponto de preocupação. Existe uma preocupação especialmente com as classes de poder aquisitivo mais baixo. Pode haver um certo desapontamento em relação ao volume de moeda que eles vão trocar. As pessoas terão que acreditar que um real é exatamente igual a CR$ 2.750 –o número com que estamos trabalhando para a conversão.
Folha - O sr. acredita que possa haver especulação com dólar?
Zinner - Não. Só os pequenos investidores é que têm muita dificuldade de entender a diferença de juros em dólar e juros em reais. Se eles se sentirem extremamente inseguros, podem partir para compra de dólares. Isso vai ser, no meu entender, um volume tão pequeno que efetivamente não afeta nada. O que se chama de especulação é quando grandes especuladores, grandes detentores de patrimônios e recursos entram em mercados. E isso não vai acontecer.
Folha - A forma com que o governo está conduzindo o plano está correta?
Zinner - Estamos muito confiantes de que os resultados almejados para esta fase serão extremamente bem-sucedidos. Podemos visualizar um período de inflação substancialmente mais baixa.
Folha - Como o Unibanco se preparou para o fim da inflação?
Zinner - O nosso banco vem se preparando para uma situação de inflação baixa desde 86. Sem dúvida, em 86, todos os bancos foram pegos de surpresa. Mas, nós, no Unibanco, tentamos redesenhar a partir de 86 o nosso modelo.
Folha - Qual é o modelo?
Zinner - Partimos para um modelo muito mais segmentado do que estávamos antes. Escolhemos o nosso foco mercadológico e criamos produtos e relacionamentos com clientes de cada um dos segmentos onde resolvemos atuar. Basicamente atuamos no varejo, com pequenas e médias empresas –e aí nós desenhamos o cliente que nós queremos, definimos claramente que tipo de renda ele deve ter e, em consequência disso, passamos a desenhar produtos adequados para essa clientela. Nós temos ainda um segmento de mercado-meio, um segmento de grandes corporações e um pequeno segmento de clientes de alta renda. E cada um desses segmentos é administrado como se fosse uma unidade autônoma. O nosso raciocínio é que esse ajuste que está sendo tentado agora virá um dia.
Folha - Os bancos vão perder rentabilidade?
Zinner - O Unibanco está se preparando para atuar em um país estável, onde possamos participar fazendo as coisas que um banco normalmente deve fazer, ou seja, financiar o crescimento de seus clientes, prestar bons serviços.
Folha - Quanto representa o float na receita do Unibanco?
Zinner - O float representa aproximadamente 30%. Num primeiro momento, eu acho que vai se perder um pedaço importante da receita. Depois, o processo do float vai ser substituído pela tarifação.
Folha - Esta transformação vai ser rápida?
Zinner - É difícil imaginar todas as condições que vão prevalecer depois de 1º de julho. Não se sabe como vai ser a atividade econômica.
Folha - O sr. acredita que o governo vai mudar a fórmula de cálculo da TR?
Zinner - Eu imagino que o redutor do cálculo da TR vai ser modificado rapidamente. Se não em julho, em agosto. Acho que não é interesse do governo captar excessivamente numa ou outra modalidade.
Folha - O sr. acredita que o BC vai alongar os prazos das aplicações depois do real?
Zinner - Estes processos que viram quase que atávicos, onde você está acostumado a aplicar no dia-a-dia, às vezes precisam de uma nova regulamentação, que seja mínima. Mas a partir do sucesso do real, nós nitidamente visualizamos um processo de alongamento dos prazos. Natural, não imposto.
Folha - O sr. acredita em uma explosão do consumo?
Zinner - A sensação que dá é que vai haver um pequeno aquecimento. Nada que possa preocupar.
Folha - O eventual contingenciamento do crédito preocupa?
Zinner - Não. Primeiro, eu acho que não virá contingenciamento. Não vai ser necessário. Se vier, acho que vai ser por um período muito curto. Na verdade, o juro alto é um contingenciamento.
Folha - De quanto será?
Zinner - Eu gostaria de saber. Só sei que será alto e que, gradualmente, haverá um decréscimo.
Folha - Quanto pode crescer o crédito ao consumo?
Zinner - Eu acho que o crédito direto ao consumidor (CDC) pode crescer muito. O consumidor brasileiro deve ser um dos menos endividados que eu conheço.
Folha - O segmento de crédito de maneira geral pode crescer quantos por cento?
Zinner - Em 100%. Mas estamos falando numa economia estabilizada, num período mais largo. Está se imaginando um processo que vai ser sustentado e que o Plano Real vai ter continuidade o ano que vem, com reforços na área fiscal.
Folha - Gostaria que o sr. estabelecesse uma relação entre o futuro do plano e as eleições.
Zinner - O raciocínio que eu posso fazer é que se o Fernando Henrique Cardoso (candidato do PSDB) ganhar as eleições existe uma propensão elevada de se dar uma continuidade a esse programa. Com a vitória de qualquer outro candidato, eu não tenho nenhuma idéia do que pode acontecer. A descontinuidade do plano pode trazer a inflação de volta.
Folha - Qual o grau de monetização que o sr. imagina?
Zinner - Nós temos até simulado isso. Imaginamos que os depósitos em conta corrente possam ter crescimento de 200%.
Folha - O sr. não acha que se vê o banco sempre como o lugar ideal para aplicar o dinheiro e o pior para pedir emprestado?
Zinner - Não. Eu acho que essa é a percepção das pessoas físicas. O empresário...
Folha - Reclama do juro alto...
Zinner - O juro é muito alto. Mas o juro é muito alto por causa da cunha fiscal (impostos). Quando você olha com quanto o governo fica de uma operação, que começa de uma aplicação e acaba em um empréstimo, você fica chocado.
Folha - Já que o sr. imagina um cenário de adaptação gradativa, estas mudanças poderiam ser feitas em etapas?
Zinner - Pode ser feito por etapas, desde que exista um plano.
Folha - Este plano inclui um Banco Central independente?
Zinner - O Banco Central independente é um excelente caminho para preservar o sucesso de um processo de estabilização.
Folha - O sr. está preocupado com o fato de o câmbio ficar fixo por tempo indeterminado?
Zinner - O sistema argentino me preocuparia muito mais.
Folha - Qual a avaliação que o sr. faz do artigo 38 e da existência ou não de expurgo?
Zinner - Existe uma perda em relação à receita esperada. Ou seja, se se imaginava ter um ganho adicional na mudança do plano, na medida que o governo falava constantemente em preservar os contratos, pode existir uma situação em que se tem mais títulos em IGP-M de que se gostaria de ter.
Folha - O Unibanco pensa em entrar na Justiça?
Zinner - Não. Achamos que a preservação do Plano Real é extremamente importante para o país e para o banco.
Folha - Qual é o maior riscoque enfrenta o plano?
Zinner - O maior risco é o Orçamento. É a parte fiscal.

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