São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 1994
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Duas moedas, ainda

Esta Folha publicou no último domingo um artigo dos economistas Jeffrey Sachs e Álvaro Zini Jr. com alertas tão fundamentais quanto ausentes, até agora, do debate sobre os rumos do Plano Real. A crítica central visa à capacidade do Banco Central de assegurar o controle da quantidade de dinheiro.
Há dois componentes de instabilidade, um externo, outro interno. De fora vêm recursos que, atraídos pelos altos juros, acabam convertidos em moeda local (hoje, cruzeiros reais, logo mais, reais). Essa expansão da moeda doméstica leva o governo a "enxugar" tais recursos, vendendo títulos públicos. Quanto mais títulos, maior o risco e, portanto, maiores os juros exigidos pelo mercado. Juros que novamente atraem recursos externos. Assim a ciranda prossegue, ao custo de bilhões de dólares para o governo.
Internamente, é o circuito financeiro de curtíssimo prazo (os vários tipos de fundões) que atrapalha a estabilização. Lastreados nos mesmos títulos públicos, remunerados a juros exorbitantes, promovem a acumulação de uma riqueza financeira que continua remunerada muito acima da inflação –e disponível a qualquer momento. É como se os ricos tivessem acesso a uma moeda negada aos assalariados, cujos rendimentos serão corrigidos apenas uma vez por ano.
Em suma, Sachs e Zini alertam para a impossibilidade de estabilização duradoura enquanto subsistir a ciranda financeira. Enquanto subsistir de um lado o real, moeda de todos e, de outro, uma "quase-moeda", dos poucos com acesso às aplicações financeiras indexadas e completamente líquidas.
O alerta é oportuno e, vale ressaltar, o governo não o ignora. Anuncia-se, por exemplo, a criação de um Fundo de Amortização da Dívida Pública cujo objetivo é ir retirando do mercado os títulos de curtíssimo prazo cuja rolagem custa tão caro aos cofres federais (ou seja, aos contribuintes). O próprio ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, já anunciou também como muito provável a imposição de restrições à entrada de recursos externos, pois nossas reservas já são suficientes e muito caras.
Quanto à proposta de Sachs e Zini de simplesmente eliminar, repentinamente, as aplicações de curto prazo, é bastante temerária. "Alongar" a dívida pública é necessário. Já forçar os poupadores a aplicar apenas em títulos de longo prazo pode ser fatal sem que haja a confiança necessária para esse "alongamento". Confiança que é certamente ainda mais precária às vésperas de eleição presidencial de resultado incerto.

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