São Paulo, quarta-feira, 29 de junho de 1994
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"Carpe diem"

HÉLIO SCHWARTSMAN

SÃO PAULO – Creio ter sido mal interpretado em minha última intervenção neste espaço. Quando defendi o direito ao aborto, à eutanásia, ao uso de drogas e a fumar, em nenhum momento sugeri que as pessoas saíssem por aí abortando, fumando e se drogando.
Muito pelo contrário, considero que o governo tem um importante papel a desempenhar em campanhas educativas que alertem para o risco do uso irrefletido tabaco e de outras drogas.
Ainda assim, alguns missivistas lembraram que o hábito de fumar não faz mal apenas ao fumante, mas também àqueles que o cercam. A observação parece ser de fato cientificamente incontestável. Lembraram ainda que o fumo causa a morte de 100 mil pessoas por ano. Nas entrelinhas, portanto, sugerem que o tabaco seja abolido do país, a exemplo do que os Estados Unidos fizeram com o álcool nos anos 20 dando assim um grande impulso à Máfia.
Ora, os carros são responsáveis por 50 mil mortes anuais no Brasil. Por que não proibi-los também? E o que dizer das fábricas que poluem o ar? Nada contra, mas, no limite, essas idéias levariam ao célebre ideal do "fugere urbem et vivere in aurea mediocritate".
Assim, arrogo-me o direito de, respeitadas certas normas de civilidade, como não fumar em elevadores, hospitais e áreas reservadas a não-fumantes, dar as minhas tão apreciadas baforadas. O mesmo vale para quem desejar cheirar cocaína, fumar maconha ou meter um tiro na cabeça. Já se deveria ter superado há muito a concepção do Estado como um grande pai que dá ordens a seus filhos, dizendo-lhes o que podem e o que não podem fazer.
A propósito das observações de um outro leitor, respeito sua posição de considerar toda vida como divina. É um direito seu. De minha parte, julgo que a única posição filosoficamemte defensável é a de, inexistindo provas irrefutáveis da existência de um ente supremo, suspender todo e qualquer juízo sobre a questão. Diferentemente do que pensava Dostoiévski, mesmo que não haja um Deus, nem tudo é permitido. Existe um direito positivo racional capaz de harmonizar as relações sociais. De resto, sugiro que todos relaxem, fumando um cigarrinho. "Carpe diem."

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