São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 1994
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Na terra de Bolívar

Lamentavelmente, mais uma vez, um país do subcontinente sul-americano suspende as garantias do Estado de Direito. Desta feita, porém, não foi uma aventura castrista ou uma injunção política qualquer que levou o governo venezuelano a este ato extremo, mas sim a conjuntura econômica.
E, de fato, os ventos não sopram em favor dos venezuelanos. Eleito em 1988, o ex-presidente Carlos Andrés Pérez (social-democrata) encetou uma política econômica neoliberal que impôs sacrifícios à população dando início a uma série de violentos protestos. Pérez enfrentou duas tentativas de golpe militar e, a exemplo de Fernando Collor, acabou sofrendo impeachment por corrupção e, hoje, encontra-se numa cela à espera de julgamento.
O atual presidente, Rafael Caldera (populista), foi eleito em dezembro do ano passado graças a um discurso violentamente antineoliberal, prometendo uma série de "compensações sociais". Como entre as promessas de um candidato e a dura realidade existe sempre um imenso abismo, as coisas não se passaram exatamente como Caldera havia prometido.
Com um déficit de 10% do PIB, inflação alta, movimentos especulativos, corrupção crônica e uma série de greves e conflitos de rua exprimindo a angústia popular, Caracas experimentou ainda uma crise financeira sem precedentes que levou oito bancos à ruína e 2 milhões de depositantes ao desespero.
Para agravar a situação, o Fogade, o organismo encarregado de controlar o sistema financeiro, entregou vários bilhões de dólares aos bancos quebrados, reduzindo ainda mais os já críticos níveis de reservas internacionais do país. Isso acelerou os movimentos especulativos contra o bolívar, a moeda venezuelana. Diante dessa situação, Caldera optou pelo congelamento de preços e do câmbio e a suspensão das garantias individuais para facilitar o controle dessas medidas.
Resta saber se a população venezuelana continuará a ter confiança no sistema democrático quando se der conta de que os desacertos econômicos não se corrigem por decreto ou prisões arbitrárias. A democracia passa assim por mais um duro teste na terra de Bolívar.

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