São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 1994
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Planejamento familiar ou controle de natalidade

HÉLIO BICUDO

A Câmara dos Deputados aprovou projeto que regulamenta o parágrafo 7º, do artigo 226, da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, exatamente quando as Nações Unidas preparam a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, a realizar-se na cidade do Cairo no próximo mês de setembro.
É pelo menos curioso que um projeto, apresentado em 1991, tenha sido votado depois de discutido tão-somente na Comissão de Seguridade Social e da Família, indo daí diretamente ao plenário, onde se obteve urgência urgentíssima para sua inserção na pauta e consequente aprovação pelo voto simbólico das lideranças presentes.
Tanto mais quando esse projeto, que vai agora à apreciação do Senado Federal, se alinha segundo posições assumidas no documento final, aprovado em reunião recente ocorrida nas Nações Unidas, que objetiva, em vez do desenvolvimento dos povos, alcançar o controle da natalidade dos países subdesenvolvidos.
Além do mais, o planejamento familiar, decisão da família e não de governos ou de segmentos mais privilegiados da sociedade, tem sido usado como pretexto para uma interferência direta na curva da natalidade, aliás, em decesso nos anos correntes.
E isso vem sendo conseguido às escâncaras por entidades nacionais, que mascaram a atuação de grupos ligados aos países desenvolvidos do hemisfério norte.
Esses incentivam o uso e o abuso de métodos anticoncepcionais, quaisquer que sejam, passando sem qualquer consideração ética à esterilização e ao aborto.
É que o crescimento da população, mais sensível nos países pobres, não favorece às elites dominantes, pois o crescimento da base pode pôr em perigo os privilégios alcançados pelas minorias mais sofisticadas.
O que aconteceu na África do Sul é bem um exemplo indesejável a ilustrar as preocupações dos setores mais ricos de qualquer país. O efeito Mandela pode estender-se e alcançar outras regiões do Globo, determinando um desequilíbrio desfavorável à sujeição que submete os pobres, pela sua condição de pobres, aos mais ricos.
Daí, num documento de 116 páginas, falar-se em desenvolvimento em apenas oito delas... O mais é o aconselhamento para o controle da natalidade, travestido em planejamento familiar.
É evidente que a pílula, como seria normal que acontecesse, aparece mais uma vez dourada. O que é preciso resguardar são os direitos da mulher e da criança. E nesse sentido procura caminhar o projeto ora aprovado na Câmara dos Deputados.
Mas desde logo se observa que o chamado planejamento não é exclusivo da família, mas se compõe de um conjunto de ações de regulação da fecundidade pela mulher, pelo homem e, por último, pelo casal. A família natural ou civil não conta.
Em vez de tratar, exclusivamente, do planejamento, entra no plano inclinado da permissão à esterilização voluntária, para a qual podem optar, individualmente, homens e mulheres com apenas 21 anos de idade ou até menos se ocorrer emancipação! Isso quando se sabe que a esterilização, seja pela laqueadura na mulher, seja pela vasectomia no homem, é praticamente irreversível.
Ora, se numa sociedade laica se possa admitir esses métodos contraceptivos, dever-se-ia ter o cuidado de somente admiti-los depois que o casal já tivesse alcançado determinado patamar de filhos e não possibilitar que jovens, os quais nem sequer têm vida em comum, se tornem estéreis. Quer dizer, estimula-se apenas o egoísmo.
Num diploma que trate do planejamento familiar, a questão não é, apenas, o indivíduo, mas a família, como célula mater da própria sociedade. E essa questão fundamental não foi abordada, buscando-se, na verdade –o que seria elogiável se a meta fosse apenas essa– trazer maiores cuidados ao atendimento pré-natal, ao parto e ao puerpério.
A esse propósito, o projeto aprovado deveria parar por aí, mas prossegue falando em assistência à perda da concepção o que, sem dúvida, pode levar ao aborto puro e simples.
Em remate, a questão simplificada, como consta do projeto que vimos comentando, não objetiva o planejamento, mas sobretudo à contracepção e à esterilização e por via de consequência à contenção da natalidade.
Tudo, na linha adotada pelas Nações Unidas, na sua busca de controlar, para satisfação dos países desenvolvidos, aqueles que se encontram abaixo da linha de uma pobreza suportável.

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