São Paulo, domingo, 3 de julho de 1994
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Os preços no varejo e a inflação de julho

YOSHIAKI NAKANO

O sucesso do real dependerá da magnitude da inflação residual em julho e da credibilidade das novas regras monetárias e cambial. Se a inflação residual –de passagem de cruzeiro real para o novo regime– for muito elevada, será muito mais difícil a nova regra monetária reverter as expectativas inflacionárias.
Corre-se, assim, o risco desta inflação se reproduzir nos meses seguintes e dar início a uma nova dinâmica inflacionária em real.
A inflação residual não seria preocupante se a reforma monetária do dia 1º de julho tivesse introduzido a conversibilidade do real, retirando do governo o seu poder discricionário de emitir moeda. Neste caso, a credibilidade do dólar seria transferida para o real e os agentes econômicos fixariam os preços e contratos em real, sem embutirem expectativa inflacionária, pois equivaleria a fixar em dólar.
Os índices convencionais de preços –por comparar preço médio em real de 30 dias de julho contra preço médio em cruzeiros reais de 30 dias do mês de junho– apresentarão taxas de inflação de mais de 25% em julho. Não é a este resíduo artificial e estatístico que estamos citando.
A verdadeira inflação residual é aquela que será aquela herdada pelo real por causa de fortes desequilíbrios de preços relativos em cruzeiros reais, agravados nas últimas semanas pela aceleração da inflação e pela conversão dos preços ainda em cruzeiros reais diretamente para o real no dia 1º de julho.
Os desequilíbrios de preços do comércio varejista são os que mais preocupam. Os preços de alimentos nos supermercados, por serem mais visíveis e objeto de ira popular, têm sido os mais focalizados pela imprensa, mas com grandes equívocos. O represamento dos preços de supermercados, via pressão e ameaças do governo, em nada ajudará o Plano Real.
Em primeiro lugar, uma análise cuidadosa dos preços da indústria e do varejo não indicam que este último tenha aumentado as suas margens de lucro. Ao contrário, por ser um setor muito competitivo, mal repassaram os aumentos praticados pela indústria.
Uma pesquisa de preços industriais e do atacado de alimentos, higiene e limpeza, adequadamente comparando os preços à vista, e utilizando-se a mesma ponderação do Fipe/USP mostra a evolução nas últimas semanas (ver tabela).
Os aumentos de preços na indústria e no atacado estão acima da variação observada pelos índices de preço no varejo da Fipe no mesmo período.
Segundo aspecto importante a ser observado e que poucos sabem é que o comércio varejista recebeu autorização para converter os preços nas prateleiras em URV somente a partir do dia 20 de junho último, com a publicação da Portaria nº 339 do Ministério da Fazenda e com a autorização da Secretaria de Fazenda do Estado para adaptação das máquinas registradoras também a partir do dia 20 de junho.
Desta forma, grande parte dos preços no varejo passarão diretamente de cruzeiros reais para o real. Como os reajustes de preços em cruzeiros são feitos semanalmente, ou com periodicidade maior, no dia 1º de julho alguns preços estavam no pico e outros no vale, gerando necessidade de acomodação dos preços relativos em real e eventual pressão inflacionária.
O terceiro aspecto refere-se ao aumento de carga tributária (ICMS) dos supermercados com a passagem dos preços dos fornecedores para a URV, particularmente no Estado de São Paulo.
Omitindo os detalhes, antes da introdução da URV o cálculo do ICMS baseava-se na diferença entre o preço de venda e o preço de compra a prazo, que embutiam os custos financeiros. Com a URV, os preços de compra passaram a ser à vista, portanto 45%/50% menores com a retirada dos custos financeiros.
Assim, por exemplo, se um varejista comprava uma mercadoria a CR$ 1.500,00, com prazo de 30 dias, e vendia pelo mesmo preço e obtinha uma margem financeira porque vendia antes do vencimento, mas a base de tributação era zero.
Com a URV, passou a comprar a mesma mercadoria por CR$ 1.000,00, com custo financeiro dado pela variação URV + juros reais, estimado em 50% neste exemplo. O varejista, vendendo pelo mesmo preço anterior de CR$ 1.500,00, passou a ter uma base de cálculo do ICMS de CR$ 500,00!
Esta mudança representou um aumento da carga tributária para o varejista de 5,6% sobre o seu preço de venda e persistirá com o real. Em função dos créditos recebidos dos fornecedores, os varejistas só mais recentemente começaram a perceber que a sua margem de lucro havia se reduzido.
Lamentavelmente, novos desequilíbrios de preços ocorreram na véspera do plano e na passagem para o real, contaminando a nova moeda. Isto poderia ter sido evitado se o alerta lançado pelo setor, e amplamente divulgado com o pronunciamento do empresário Abilio Diniz, tivesse sido analisado com objetividade e o governo tivesse autorizado a urvização dos preços no varejo há mais tempo.
Entretanto, estes desequilíbrios de preços no varejo de forma nenhuma comprometerão o Plano Real, mas a inflação residual poderá atingir 5% a 8% em julho.
Na verdade, os planos de estabilização bem-sucedidos mostram que o que importa não é a inflação do primeiro mês, mas a trajetória sistematicamente declinante após a sua implantação e a reversão das expectativas inflacionárias.
É ai que a nova regra monetária e cambial fixando duas âncoras nominais sofrerá o seu teste. Como a fixação da taxa de câmbio e quantidade de moeda é inconsistente no longo prazo, pode-se esperar medidas na área de movimento de capital.
Se as metas monetárias forem para valer podemos esperar mudanças profundas nas regras operacionais do Banco Central, pois, mantido o atual mecanismo de dar liquidez aos ativos que rendem juros, a regra monetária não terá credibilidade e atingir a meta poderá ser impossível.

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