São Paulo, quarta-feira, 6 de julho de 1994
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Quarto Mundo

Na geografia mundial da fome, o Nordeste brasileiro detém, lamentavelmente, um lugar de destaque. Não bastassem os números aterradores da mortalidade infantil e os índices alarmantes de cólera, em toda a região, e de dengue, em alguns Estados, chega a notícia de que uma velha doença da miséria, a pelagra, volta com força renovada ao agreste pernambucano.
Embora atinja, por enquanto, um menor número de indivíduos que as outras moléstias citadas, a pelagra tem um significado simbólico ainda mais forte que todas elas: é a doença da fome extrema, só encontrada entre refugiados de guerra e nas regiões mais pobres da Índia.
A notícia é mais chocante quando se sabe que a cidade aparentemente mais atingida pela pelagra, Bezerros, fica a apenas 100 km de Recife, um dos maiores e mais importantes centros urbanos do país.
O governo federal acena agora com um envio de recursos à região nordestina para minimizar o problema da mortalidade infantil. Não cabe questionar a pertinência de tais medidas paliativas e emergenciais, mas não se poderá tapar eternamente o sol que castiga os nordestinos com a peneira do assistencialismo. Urge conceber e praticar mudanças estruturais que combatam efetivamente a miséria da região –que, aliás, só difere em grau de intensidade da que assola o resto do Brasil.
Não há de ser por acaso que a parte mais miserável do país seja justamente aquela em que imperam há séculos as práticas políticas mais arcaicas, entre elas o clientelismo, o populismo e deslavada corrupção.
Cabe aos governantes e a toda a sociedade perguntar-se seriamente por que até hoje não vingaram, a não ser em surtos isolados, as inúmeras propostas de modernização e desenvolvimento da região. É preciso que se identifique com clareza quem ganha com a seca, a miséria e a ingnorância que reinam na maior parte do Nordeste. Só com a superação de tais forças imobilizadoras é que se poderá ter uma perspectiva de elevar o Nordeste a padrões mínimos de civilização. Até lá, o país como um todo continuará a figurar no Quarto Mundo.

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