São Paulo, quarta-feira, 6 de julho de 1994
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Rumo ao real

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Nunca se ouviu dizer que uma criança, um menino de cinco ou dez anos, um adolescente de 15 sejam supersticiosos. Donde se pode concluir: superstição, como sabedoria e doença, é coisa da idade.
A cada dia adquiro uma superstição nova e robusteço as antigas, aquelas que fui adquirindo pela vida afora.
Exemplo: embirrei com a campanha "Rumo ao Tetra". Aliás, embirrei com toda a alacridade pré-Copa, a invasão do verde-amarelo na TV, nas ruas, nas almas. Outro dia, fui tomar água de coco numa barraquinha do Arpoador, estava entulhada de verde-amarelo, fui para outra, onde a única decoração era um edificante pôster da Camila Pitanga.
E foi nisso que pensei durante o jogo com a seleção dos Estados Unidos. Por pouco, muito pouco mesmo –como dizia aquele locutor da Copa de 70–, não perdemos feio, tomando não o rumo do tetra, mas o rumo de casa, o rumo real do real.
Falar no real, é outra superstição que cultivo. Toda vez que ouço uma autoridade anunciar "o Brasil entra numa nova era" trato de tirar meu time de campo e redobrar cautelas, andando encostado nas paredes, aderente aos muros como os lobos dos desenhos animados.
A diferença é que o lobo-mau fica aderente às arvores e muros para melhor dar o bote nas menininhas de chapeuzinho vermelho. Não é o meu caso: protejo-me com as paredes porque, teoricamente, tenho a sensação de melhor evitar o estupro.
Voltemos ao jogo do Brasil com os EUA: acompanho Copas do Mundo desde 1950, sou sobrevivente de 11 torneios. Que me lembre, nunca vi lance tão selvagem quanto o de Leonardo em cima de Ramos. E olha que Leonardo vinha jogando bem, era um dos pontos altos e mais regulares do time.
O destempero revela que alguma coisa está errada com o chamado "grupo". Grupo que só se salvou por que Romário resolveu, no segundo tempo, buscar a bola no meio-campo que não funcionou até agora.
Daí a preocupação de todos nós: no grupo que lançou o Plano Real (cujo meio-campo está emboladíssimo), quem será o Romário? FHC está mais para Parreira e Itamar tem a noção de jogo do Zinho.

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