São Paulo, quinta-feira, 7 de julho de 1994
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Ainda que tardia

DÉCIO T. DA COSTA NAZARETH

Lúcida e cruel previsão: "no Brasil e na Índia Britânica foram deixadas para último lugar as vias de comunicação fluviais, que deveriam ter vindo em primeiro".
A sombria profecia de Richard Francis Burton se materializa agora, dentro de um horizonte secular dificilmente imaginável, até mesmo, por aquele notável pesquisador britânico.
Já estávamos atrasados há 133 anos, desde a estada de Burton entre nós, e só agora o Brasil, através de São Paulo, conclui sua primeira hidrovia.
Fique claro: existem hidrovias e cursos de água naturalmente navegáveis. Hidrovias são dotadas de melhoramentos, que incluem derrocamentos, balizamentos e obras de transposição de desníveis. Cursos de água naturalmente navegáveis são os rios e lagos como a natureza os fez. Naquelas navegam os países desenvolvidos no sentido do progresso. Nestes costumam encalhar as economias do Terceiro Mundo.
Nos Estados Unidos a utilização de comboios de carga em modernas hidrovias possibilita aos usuários uma relação de custos operacionais médios da ordem de 1; 5; 22, entre as modalidades de navegação interior; ferrovia e rodovia. Isto significa que o custo operacional da tonelada transportada em rios e lagos é cinco vezes inferior ao das ferrovias e 22 vezes inferior ao das rodovias. Na Europa, essa relação, embora mais baixa, é bastante expressiva: 1; 4; 10.
Como explicar, então, a inversão de prioridades no caso brasileiro?
Com a autoridade de um membro da Royal Geographical Society e a isenção de quem critica as ações perversas de seu próprio governo, Richard Burton lançou já em 1861 o primeiro foco de luz na questão: (...) "o Brasil é sem dúvida a terra dos grandes rios, mas ainda não melhorados. Adquiriram, contudo, má fama, e as vias fluviais foram deploravelmente negligenciadas, como na Índia Britânica. Os capitais para financiamento das estradas de ferro obtidos na Inglaterra, mediante pesados juros, os vários modos de comunicação foram concretizados no sentido inverso de seu mérito."
Em síntese, países dependentes de poupanças externas são levados a construir de acordo com o custo-benefício do investidor.
Quem vende trilhos, vende locomotivas e vagões. Quem vende estradas, vende caminhões e automóveis. E todos vendem muito petróleo.
Rebocadores e chatas usados no transporte fluvial são fabricados com tecnologia simples e mão-de-obra local, bem ao lado dos rios, como já se pode ver às margens do Tietê.
Burton apontou uma causa econômica, mas há também o fator político: as obras em hidrovias costumam ficar submersas, não rendendo inaugurações, nem votos.
Com o sistema Paraná-Tietê o Brasil ingressa na era das hidrovias. Desculpem o atraso.
Décio Teixeira da Costa Nazareth, 48, economista, foi vice-presidente da Comissão de Desenvolvimento da Navegação na Bacia do Prata (1985-86) e diretor dos Transportes Hidroviários de Minas Gerais (1984-86).

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