São Paulo, quinta-feira, 7 de julho de 1994
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Crack faz Aids estabilizar na Detenção

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma pesquisa em fase final entre os presos da Casa de Detenção de São Paulo revela que cerca de 18% deles são portadores do vírus HIV. Levantamento feito em 90 tinha mostrado que 17,3% deles eram soropositivos.
Em quatro anos, o número de infectados na Detenção praticamente não aumentou. Aqui fora, o crescimento beira os 30% ao ano.
A boa notícia está amarrada à chegada de uma droga que ameaça as estruturas de poder dentro do presídio: o crack. "Ele está subvertendo completamente a ordem dentro da cadeia", diz o cancerologista e especialista em Aids Drauzio Varella.
Ao adotar o crack, os presos deixaram de lado a droga injetável, a principal causa de transmissão da Aids entre eles.
Varella vem trabalhando com os presos da Detenção desde 90. Na semana passada, dentro da série "Aids em exame", ele falou na Folha sobre a doença na cadeia.
Varella acredita que a prevenção e a informação vêm contribuindo para a estagnação da Aids na Detenção. Mas está certo de que o crack tem peso maior no processo.
"O crack acabou com a droga injetável na prisão. Ninguém mais toma baque na veia." Manoel Schechtmann, diretor de Saúde do sistema penitenciário, diz que 88,6% dos infectados da detenção pegaram a doença pelo uso de droga injetável.
Entre os 82 travestis testados em 90, 80% estavam com o vírus. A pesquisa, no entanto, não revelou qual a participação dos travestis na transmissão da doença.
Segundo Varella, o crack chegou na Detenção em 92. Os presos estimam que 50% deles hoje já estejam usando a droga.
"O crack é mais barato e fácil de entrar na cadeia. Com três maços de cigarros compra-se uma pedrinha", afirma o médico.
O efeito é instantâneo e passageiro. E a dependência é rápida.
Em cinco minutos, um preso fuma três pedrinhas. Sem dinheiro, ele vai assumindo dívidas até ser ameaçado de morte.
"Presos respeitados acabam pedindo proteção em celas de segurança para não morrer. É a desmoralização total diante da malandragem", diz Varella.
Nos 44 presídios do Estado, existem hoje 180 doentes de Aids. Eles são tratados nas enfermarias dos próprios presídios.
"Nos outros países, os doentes presos vão para os hospitais. Aqui não se permite", diz Schechtmann. Segundo ele, "as prisões brasileiras nunca investiram em saúde".
Um vídeo feito por Varella e a Unip/Objetivo mostra doentes de Aids abandonados na enfermaria da Detenção pedindo por remédios e a atenção de um médico.

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