São Paulo, quinta-feira, 7 de julho de 1994
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Indisciplina inédita

LUÍS NASSIF

Historicamente, a função primordial de Congressos consiste em votar orçamentos. Ontem, o ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, foi ao Congresso falar sobre o tema. A recebê-lo, pouco mais de 20 congressistas.
Não existe a obrigatoriedade legal da votação do Orçamento. No entanto, a Lei de Diretrizes Orçamentárias precisaria ser votada até 30 de junho, sob pena do Congresso não poder entrar em recesso. Não se votou a LDO. Formalmente o Congresso continuava funcionando. Na prática, entrou em recesso.
São tantas idas e vindas que, no fundo, parece que a equipe econômica resolveu se aproveitar dessa falta de empenho do Congresso, montando uma estratégia deliberada para se colocar a salvo de controles judiciais e legislativos. A suspeita é da "newsletter" "Guia Jurídico" desta semana.
Lembra a carta que em julho do ano passado o Executivo enviou o primeiro projeto orçamentário ao Congresso. Dentro do prazo de recebimento das emendas, a equipe econômica pediu a suspensão da tramitação para encaminhar outro projeto, prevendo a arrecadação do Fundo Social de Emergência –que ainda não fora criado.
Segundo o deputado Paulo Bernardo (PT-PR), ouvido pela publicação, esta teria sido a primeira de uma série de inconstitucionalidades, pois o governo não poderia ter elaborado um Orçamento prevendo receita que na prática não existia.
Meia verdade
Na realidade, o que ocorreu foi uma trapalhada com o tal orçamento-verdade, que a equipe econômica vendeu ao ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso quando da sua posse. Consistia em apresentar um quadro tremendamente pessimista para reduzir as pressões políticas.
Esqueceram-se que esses dados seriam levados em conta, na hora de o FMI analisar os números brasileiros. Em geral, o banco não é muito rigoroso ao analisar a consistência das projeções brasileiras, a fim de não criar empecilhos a acordos. A partir do momento em que os dados pessimistas constavam de um relatório oficial, não tinham como fechar os olhos.
Ocorreu um impasse óbvio nas negociações, que obrigou a equipe econômica a malabarismos indescritíveis. Para contornar o nó, voltou-se ao Orçamento meia-verdade, reestimando inclusive receitas de arrecadação, provenientes do aumento do esforço fiscal.
De qualquer modo, cometeu-se uma irregularidade na elaboração do Orçamento.
Em fevereiro, quando foi aprovado o Fundo Social de Emergência, o governo voltou a pedir a interrupção das discussões, para enviar um novo projeto. Que até agora não foi remetido.
Todos esses descaminhos beneficiaram o governo, que continuou gastando mensalmente 1/12 da proposta orçamentária, sem nenhuma espécie de fiscalização.
Criou-se uma zorra tão ampla, que a LDO foi modificada por medida provisória, isentando do limite de gastos de 1/12 o pagamento de pessoal, com respectivos encargos sociais e os gastos com obras em andamento. Ou seja, através de meras MPs, o governo pode obter os recursos extras de que necessita.
Essa indisciplina inédita ocorre justo no momento em que a consolidação de um programa econômico exige a disciplina máxima.
Tubarões
O governo demonstrou, com as padarias, que não tem medo nem de cara feia, nem de poder econômico. O pãozinho que se cuide.

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