São Paulo, quinta-feira, 7 de julho de 1994
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Os institutos de pesquisa de São Paulo e os governos

ANTÔNIO CARLOS PIMENTEL WUTKE

A pujança do Estado de São Paulo não surgiu do acaso e tampouco de maneira aleatória. Em seu processo evolutivo, há que registrar, sem dúvida, a convergência de condições e de circunstâncias favoráveis, tais como a conjunção de fatores edafoclimáticos adequados para a cultura cafeeira no planalto paulista e a notável contribuição das correntes migratórias.
Esse desenvolvimento, porém, somente se consolidou, inclusive na edificação do maior parque industrial da América Latina, quando adquiriu o seu indispensável embasamento científico-tecnológico.
Entre nós, em verdade, a pesquisa científica de forma ampla, contínua e sistematizada, foi por primeiro desenvolvida nos institutos, criados que foram sob forte motivação, pela necessidade de resolução de problemas bem definidos e sentidos.
Por isso mesmo alguns desses institutos como o Agronômico, o Geológico e Geográfico, o Butantan e o Adolfo Lutz já apresentavam longa tradição de profícuo trabalho nos idos de 1934, quando se corporificou a Universidade de São Paulo.
Portanto, ao dispensar-lhes o tratamento de órgãos complementares na própria lei de criação da USP, o governo deu mostras de reconhecer, naquela ocasião, a importância e as peculiaridades de seu sistema de ciência e tecnologia.
Devido ao pragmatismo de sua atuação, os institutos sempre tiveram presença atuante no desenvolvimento agropecuário e na defesa da saúde pública, impondo-se como investimento dos mais profícuos para o Estado.
Não cabe aqui o desfilar de todas as suas conquistas, algumas das quais notabilizam-se por profundas repercussões socioeconômicas. Mas certamente caracterizaram São Paulo como cenário de uma agricultura diferenciada, extremamente diversificada e eficiente, que impulsionou os demais setores de nossa economia. Provavelmente essa agricultura constitua o mais significativo exemplo de "revolução verde" que já tenha ocorrido sob os trópicos.
Do mesmo modo, a trajetória de nossos institutos ligados aos problemas de saúde pública se identifica com vitoriosas campanhas no combate a males como a peste bubônica, a raiva, a febre amarela, a varíola, o tétano, a febre tifóide, a difteria, a febre maculosa e a tuberculose. Acrescente-se, ainda, o ingente e constante trabalho de vigilância epidemiológica e sanitária e as tradicionais e marcantes atividades no campo do ofidismo.
Não obstante todas essas contribuições de nossos institutos à sociedade, análise retrospectiva de várias administrações estaduais revela um inconcebível paradoxo.
Salvo as raras exceções de alguns períodos e eventos isolados, nos últimos 40 anos os institutos de pesquisa não tiveram a sustentação de uma ação governamental continuada a que se pudesse chamar de política de ciência e tecnologia. Viveram, por isso, estes anos envolvidos em repetidas crises, com restrições de toda a ordem.
Mal refeitos dos golpes mais duros, apresentando ainda as sequelas do triste período de 1967-74, quando se registrou a maior evasão de seus pesquisadores, assistem agora também à aceleração debandada de seu pessoal de apoio.
Amesquinharam a tal ponto suas dotações orçamentárias, que em 1983 o orçamento conjunto dos institutos Agronômico, Biológico, de Zootecnia, de Tecnologia de Alimentos (Ital) e de Economia Agrícola era praticamente igual àquele de que dispunha sozinho o Agronômico em 1979!
E submetem, hoje, seus pesquisadores e todo o pessoal de apoio técnico, operacional e administrativo a uma política salarial mesquinha, até vexatória em confronto com o mercado de trabalho e com as instituições congêneres, inclusive do próprio Estado.
Apesar de tudo, os institutos de pesquisa de São Paulo ainda não se renderam, porque não enrolaram as bandeiras de suas missões junto à sociedade.
Também não desmereceram a credibilidade dos usuários de seu trabalho porque este, à medida que ainda pode ser feito, não baixou o nível das exigências metodológicas, dos critérios e do rigor científicos, como comprovam as suas realizações ainda noticiadas.
Não é possível, contudo, prever quanto tempo mais poderá perdurar esse estado de resistência, levado já aos seus limites extremos, antes que todo esse sistema desmorone de vez, implodido pela incompetência dos últimos governos...
Dotados de uma miopia congênita e, portanto, de vôo curto e raso, os últimos governos de São Paulo não apreenderam que a ciência e, em consequência, a própria tecnologia, não são produtos que se comprem, mas processos indissociáveis do complexo cultural, que encerram toda uma dinâmica própria, uma corrente de pensamentos, uma conduta de ação.
Diante dos seguidos atos de desconsideração e, mesmo, de desrespeito para com os institutos; deixando de assumir hoje a palavra ontem empenhada; descumprindo texto legal de sua própria iniciativa, receiam, os pesquisadores científicos, que seria demais esperar que este governo entendesse, nas palavras de J. Reis: "A necessidade de manter instituições dedicadas ao exercício permanente da investigação científica, aptas a substituir pela ação organizada e pela antecipação dos problemas a resolver as improvisações que Artur Neiva caracterizava como 'ciência de acampamento', mobilizada às pressas para enfrentar eventuais calamidades".

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