São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
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O Collor tinha razão

MOACYR SCLIAR

Sabe de uma coisa, cara? O Collor tinha razão: o automóvel brasileiro é uma carroça, cara. É uma carroça mesmo.
Veja só: a gente sequestrou aquele empresário. Tudo bem, o cara está conformado, afinal era o segundo sequestro dele em menos de três meses: estava até treinado, sabe como é? Mais um pouco e podia até ensinar a gente como sequestrar. Mas não precisava, porque essa é uma tecnologia que a gente já domina por completo, modéstia à parte. Nós éramos dez, cara. Dez homens, armados com o que tem de melhor em termos de metralhadoras e fuzis. Armas novas, testadas. Não podia dar errado.
Não podia, eu disse?
Mas deu errado, cara. Por incrível que pareça, deu errado. Não, a polícia não apareceu. Não, o homem não tinha guarda-costa.
Foi o carro, cara. Deu crepe no carro. No meio do caminho nos acidentamos. E aí não houve jeito daquela coisa andar.
Uma decepção, cara. Você vê esses filmes americanos, esses que têm aquelas perseguições sensacionais. Os carros batem, arrebentam, vôa porta para um lado, vôa pára-choque para o outro lado, mas os carros continuam andando. Sabe por quê, cara? Porque aquilo é automóvel. Não é como essas coisas que temos por aqui. O Collor tinha razão, cara: o automóvel brasileiro é uma carroça. Se a gente não sabia disso? Claro que sabia. Mas o que é que a gente podia fazer? Era o que a gente tinha. Outro dia mostraram na tevê os carros que os traficantes de cocaína roubam. Tudo importado, cara. Só Mercedes, BMW, coisa boa. Não aquela lata velha que ficou na estrada.
Mas já resolvemos: no próximo sequestro não tem erro. Só vamos usar carro novo, na garantia. E o sujeito que a gente sequestrar vai ter de levar o seu mecânico junto. Se houver qualquer coisa no carro, ele mesmo vai ter de providenciar o conserto. Sequestro não é brincadeira, cara. Sequestro é coisa séria. Com carroça é que não dá para fazer.

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