São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
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A falsa controvérsia sobre os juros

PEDRO MALAN

Há pouco tempo, o Banco Central da Suécia elevou drasticamente a taxa de juros doméstica, tentando evitar um ataque especulativo contra a krona, moeda daquele país escandinavo. A taxa de juros, anualizada, chegou a 500%.
Ninguém saiu em campo alertando para o efeito negativo que taxas de juros daqueles níveis teriam sobre a atividade econômica, o emprego, o investimento produtivo e o endividamento público ou privado.
O mesmo ocorreu anos atrás, quando a "Prime Rate" e a "Libor" alcançaram, respectivamente, 21% e 17% ao ano.
Por quê? Porque todos sabiam que aquelas taxas eram temporárias, destinadas a objetivos específicos e que, portanto, não teria sentido projetá-las para o futuro. Nem tampouco procurar distinguir, naquelas taxas, o que seria juro real e o que seria expectativa de inflação futura.
Não somos suecos, norte-americanos ou europeus, mas é preciso que também não nos deixemos aprisionar pela miopia de curto prazo que analisa e projeta para o futuro taxas de juros nominais de um dia que, sabemos todos, são insustentáveis por períodos prolongados de tempo.
É preciso encarar as informações do dia-a-dia com um mínimo de perspectiva e de capacidade de olhar adiante, inclusive de analisar o que os próprios mercados estão indicando.
O fato é que os mercados financeiros estão apostando, de forma consistente, em uma queda significativa e sustentada das taxas de juros ao longo das próximas semanas e meses. Senão vejamos.
A taxa de juros nominal efetiva (Selic) caiu, no 1º dia útil do real, de mais de 50% para pouco mais de 8%. Para o 1º dia últil de agosto, as operações a termo já mostram uma queda adicional superior a três pontos de percentagem sobre o 1º dia útil de julho.
CDBs prefixados de 30 dias e negociações a termo em BBCs de 28 dias mostram hoje taxas nominais de 4,3% a 4,5% para a primeira semana de agosto –taxas que, se avaliadas pelos mercados futuros, sinalizam declínio, ao longo do restante do mês, para um nível inferior a 4%. Juros reais sobre câmbio medidos nos mercados futuros apontam para taxas da ordem de 6% ao ano.
O esporte nacional de tentar adivinhar, observando a taxa de juros nominal do dia, o que seria juro real, o que seria expectativa de inflação e o que seria o eventual prêmio de risco é, nas circunstâncias prevalecentes no mês de julho, um exercício estéril.
Nenhum norte-americano ou europeu procura adivinhar, olhando a "Prime Rate" ou a "Libor" o que é, "ex-ante", taxa real e expectativa de inflação. Apenas os acadêmicos fazem cálculos "expost-facto", deflacionando as taxas nominais por algum índice de inflação (claramente explicitado) e chegando à taxa real "ex-post". E as há tantas quantos os índices de inflação disponíveis.
No quadro de incertezas associado aos primeiros dias de operações com a nova moeda, com toda a poeira levantada pela aterrissagem da URV no real, com as dezenas de indicadores de inflação existentes na economia brasileira, com a ampla faixa de variação característica das estimativas de inflação em reais para o mês de julho, o Banco Central adotou uma postura cautelosa, posicionando-se para dar suporte a um período de declínio sustentado das taxas de juros ao longo dos próximos meses.
Que este declínio deve vir –e virá– ninguém duvida. Não há qualquer divergência substantiva quanto a isto no âmbito do governo, no mundo empresarial e financeiro e na própria sociedade em seu conjunto.
A única questão envolvida é quanto ao "timing" e à velocidade desta queda. Que só deve e pode ser decidida à luz da evolução da economia ao longo das próximas semanas.
Estas primeiras semanas do real exigem sangue frio, capacidade de olhar adiante e disposição para utilizar todos os instrumentos disponíveis para assegurar a credibilidade da aposta firme na estabilização em que estão empenhados o governo e a sociedade.
Por exemplo, existe hoje no Brasil um estoque de ativos financeiros, da ordem de R$ 129 bilhões, dos quais R$ 123 bilhões são "remunerados".
Dada à variabilidade das expectativas de inflação para julho, além da própria ilusão monetária associada à queda abrupta da inflação e, portanto, da "remuneração" destes ativos, a simples percepção de que a taxa de juros real é ou pode vir a se tornar negativa pode levar a uma fuga de parcela destes R$ 123 bilhões das aplicações financeiras para outros fins.
Esta saída pode assumir várias formas, todas com consequências indesejáveis para o momento atual: para consumo, para ativos reais (com as óbvias implicações sobre preços e a inflação), para a moeda estrangeira (aqui ou no exterior), para estoques de matérias-primas.
A consequência inevitável seria uma reversão de tendência de queda da inflação. A aceleração da inflação levaria a um aumento de taxa de juros nominal, a demandas pela reindexação da economia e à necessidade de um aumento de taxa real para evitar a aceleração da fuga das aplicações em ativos financeiros.
A ousadia que se requer agora, vale repetir, é a ousadia da persistência, da perseverança, da paciência, do sangue frio e, principalmente, do sentido de direção e de propósito.
Algo que não tem faltado ao governo do presidente Itamar Franco, pessoalmente empenhado, como todos nós, em assegurar as condições, através da estabilidade de preços, para a retomada do crescimento, para a recuperação do investimento (privado e público), para a elevação do nível de emprego e para o enfrentamento de nossas enormes mazelas sociais.
Estamos apenas começando, tentando acabar com o mais injusto, cruel, iníquo e regressivo de todos os impostos, que é o imposto inflacionário.
À medida que avancemos nesta direção, as taxas de juros –nominais e reais– inevitavelmente declinarão de forma consistente e sustentada. A pergunta da Folha, colocada na seção "Tendências / Debates" de ontem, deveria ser: as taxas de juros nominais e reais cairão de forma consistente e sustentada ao longo dos próximos meses? A resposta seria um inequívoco sim.

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